Opinião
30 de Novembro de 2010 às 12:00
O elogio à riqueza
Ninguém distribui o que não tem - é com esta banalidade que regresso, pontualmente, neste espaço de opinião do Projecto Farol
Projecto Farol - PORTUGAL: ENTRE O SUCESSO E A IRRELEVÂNCIA
Ainda vai a tempo?
Ainda vai a tempo?
Ninguém distribui o que não tem - é com esta banalidade que regresso, pontualmente, neste espaço de opinião do Projecto Farol (e três anos depois), ao jornal onde diariamente escrevi durante vários anos.
A afirmação encerra em si própria uma verdade inquestionável: quem não prospera só pode ter um encontro marcado com a pobreza e o definhamento a longo prazo.
Esta é uma daquelas previsões que até os economistas podem fazer sem errar. Sucede que ao fim de dez anos de estagnação, para Portugal o longo prazo já passou. Dito de outra forma, já não estamos no domínio da previsão, mas da constatação.
O sobressalto convoca a acção. Esta requer um propósito. Um projecto mobilizador. E mobilização significa isso mesmo: todos envolvidos, tudo a participar nas soluções para chegar a uma meta comum. Começa aqui o dilema: para onde caminhamos hoje? O que nos faz cerrar os dentes? Que farol nos ilumina? E que exemplos nos inspiram?
A última intervenção do FMI em Portugal foi dolorosa, os desequilíbrios foram corrigidos com medidas drásticas, as bandeiras negras da fome desfilavam pelas ruas, mas o País queria entrar na Europa. E fez por isso, construiu soluções políticas excepcionais, mas indispensáveis para a estabilidade institucional posta em causa pelas rupturas provocadas, incluindo as sociais.
Durante duas décadas colhemos frutos desse esforço. Só quem não quer ver pode negar o facto de o País ter mudado muito num espaço relativamente tão curto de tempo. E mudou para melhor. Mas as verdades mais óbvias continuam, infelizmente, a ser hoje as mais ignoradas.
Conta-se que, um dia, Olof Palm reagiu assim quando Otelo lhe confessou que a Revolução portuguesa tinha sido feita para acabar com os ricos: "engraçado, nós aqui tentamos acabar com os pobres e não conseguimos." Pois aqui, nesta atitude colectiva, estamos rigorosamente na mesma. 35 anos e muitos impostos depois, a perversão permanece enraizada na sociedade portuguesa.
Ter dinheiro, fazer dinheiro, é um pecado. Para o pobre, sopa e subsídios.
Não estranha, portanto, que a agenda nacional esteja reduzida a uma discussão de como distribuir os sacrifícios, e não a riqueza. A nossa opção passou a jogar-se na repartição equitativa dos cortes, não dos recursos.
A perversão gera equívocos perigosos.
Até hoje, a Humanidade não conseguiu inventar melhor alternativa às empresas para gerar riqueza e emprego. A função redistributiva pertence ao Estado, não ao mercado. Quando se equilibram contas públicas, garante-se que o Estado nunca falta a quem dele mais necessita. É condição de justiça social e de eficiência na utilização de recursos - não de prosperidade absoluta, e muito menos relativa (porque esta é perdida pela via do défice externo, não do orçamental).
Os sintomas de uma sociedade desorientada não surgem, infelizmente, apenas de uma classe política que primeiro se conformou e depois desistiu. Manifestam-se quando se acusa o Estado de alimentar o desemprego, em vez de incentivar o facto de autarquias e administração pública estarem, finalmente, a eliminar estruturas desnecessárias.
Ou numa opinião dominante que, com fórmulas fáceis e sedutoras, cavalga em cima da demagogia e exige ao sector empresarial que participe no combate à crise reduzindo a remuneração de gestores e de accionistas.
A situação de emergência convoca - sim, é verdade - empresários e gestores para comportamentos diferentes. Alimentar a visão de que o papel da empresa se limita a produzir e a vender bens e serviços coloca o sector privado tão distante do seu mercado quanto o político que insiste em falar de megafone para o seu eleitorado.
E com uma sociedade civil tão frágil, não haverá transformação social a sério neste País enquanto o sector privado ficar a assistir como espectador. A competitividade empresarial depende da inclusão social e a empresa deve ser agente de inovação social. Não é opção. É um requisito de sobrevivência e afirmação.
O modelo sueco de "extermínio da pobreza" não morreu com o tiro que assassinou um dos líderes mais inspiradores da Europa. Em Portugal, o caso ainda é mais caricato do que um suicídio colectivo: já conseguimos, lá atrás, na nossa História, matar o sector privado, temos vindo a liquidar o Estado por asfixia e pedimos clemência por ficarmos órfãos de mãe e pai.
Administrador-delegado da Fundação EDP
Coluna quinzenal à terça-feira
Esta é uma daquelas previsões que até os economistas podem fazer sem errar. Sucede que ao fim de dez anos de estagnação, para Portugal o longo prazo já passou. Dito de outra forma, já não estamos no domínio da previsão, mas da constatação.
O sobressalto convoca a acção. Esta requer um propósito. Um projecto mobilizador. E mobilização significa isso mesmo: todos envolvidos, tudo a participar nas soluções para chegar a uma meta comum. Começa aqui o dilema: para onde caminhamos hoje? O que nos faz cerrar os dentes? Que farol nos ilumina? E que exemplos nos inspiram?
A última intervenção do FMI em Portugal foi dolorosa, os desequilíbrios foram corrigidos com medidas drásticas, as bandeiras negras da fome desfilavam pelas ruas, mas o País queria entrar na Europa. E fez por isso, construiu soluções políticas excepcionais, mas indispensáveis para a estabilidade institucional posta em causa pelas rupturas provocadas, incluindo as sociais.
Durante duas décadas colhemos frutos desse esforço. Só quem não quer ver pode negar o facto de o País ter mudado muito num espaço relativamente tão curto de tempo. E mudou para melhor. Mas as verdades mais óbvias continuam, infelizmente, a ser hoje as mais ignoradas.
Conta-se que, um dia, Olof Palm reagiu assim quando Otelo lhe confessou que a Revolução portuguesa tinha sido feita para acabar com os ricos: "engraçado, nós aqui tentamos acabar com os pobres e não conseguimos." Pois aqui, nesta atitude colectiva, estamos rigorosamente na mesma. 35 anos e muitos impostos depois, a perversão permanece enraizada na sociedade portuguesa.
Ter dinheiro, fazer dinheiro, é um pecado. Para o pobre, sopa e subsídios.
Não estranha, portanto, que a agenda nacional esteja reduzida a uma discussão de como distribuir os sacrifícios, e não a riqueza. A nossa opção passou a jogar-se na repartição equitativa dos cortes, não dos recursos.
A perversão gera equívocos perigosos.
Até hoje, a Humanidade não conseguiu inventar melhor alternativa às empresas para gerar riqueza e emprego. A função redistributiva pertence ao Estado, não ao mercado. Quando se equilibram contas públicas, garante-se que o Estado nunca falta a quem dele mais necessita. É condição de justiça social e de eficiência na utilização de recursos - não de prosperidade absoluta, e muito menos relativa (porque esta é perdida pela via do défice externo, não do orçamental).
Os sintomas de uma sociedade desorientada não surgem, infelizmente, apenas de uma classe política que primeiro se conformou e depois desistiu. Manifestam-se quando se acusa o Estado de alimentar o desemprego, em vez de incentivar o facto de autarquias e administração pública estarem, finalmente, a eliminar estruturas desnecessárias.
Ou numa opinião dominante que, com fórmulas fáceis e sedutoras, cavalga em cima da demagogia e exige ao sector empresarial que participe no combate à crise reduzindo a remuneração de gestores e de accionistas.
A situação de emergência convoca - sim, é verdade - empresários e gestores para comportamentos diferentes. Alimentar a visão de que o papel da empresa se limita a produzir e a vender bens e serviços coloca o sector privado tão distante do seu mercado quanto o político que insiste em falar de megafone para o seu eleitorado.
E com uma sociedade civil tão frágil, não haverá transformação social a sério neste País enquanto o sector privado ficar a assistir como espectador. A competitividade empresarial depende da inclusão social e a empresa deve ser agente de inovação social. Não é opção. É um requisito de sobrevivência e afirmação.
O modelo sueco de "extermínio da pobreza" não morreu com o tiro que assassinou um dos líderes mais inspiradores da Europa. Em Portugal, o caso ainda é mais caricato do que um suicídio colectivo: já conseguimos, lá atrás, na nossa História, matar o sector privado, temos vindo a liquidar o Estado por asfixia e pedimos clemência por ficarmos órfãos de mãe e pai.
Administrador-delegado da Fundação EDP
Coluna quinzenal à terça-feira
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