Opinião
Isto não é um país
Foi em 2002 que tudo começou. Santana Lopes, então presidente da Câmara de Lisboa, propunha-se salvar o Parque Mayer, já então em acentuada decadência. Assim nasceu a ideia de um casino em Lisboa, para ajudar a financiar o projecto de recuperação do Parqu
Como quem não tem dinheiro não tem vícios (ou não devia ter, a acreditar no passivo entretanto acumulado), a Câmara acabou por deixar cair o projecto de Gehry que, naturalmente, facturou pela concepção do projecto qualquer coisa como 2,5 milhões de euros.
Caiu a recuperação do Parque Mayer, pelo caminho a Câmara acordou com a Bragaparques a permuta por uma parcela dos terrenos da Feira Popular, mas, de todo esse desenrolar frenético de grandes projectos, só uma coisa pegou de estaca: um novo casino em Lisboa.
Começou por ser no Parque Mayer mas acabou a circular, no terreno das hipóteses publicadas, pelo Cais do Sodré ou pelo Jardim do Tabaco, entre uma miríade de localizações. Até aterrar no Pavilhão do Futuro da Expo 98.
A decisão de instalar um casino no centro da cidade sempre foi polémica. Mais polémica ainda foi a extensão da concessão da zona de jogo do Estoril à cidade de Lisboa, sem concurso, decisão a que os restantes operadores do sector nunca se resignaram.
De polémica em polémica, o melhor estava guardado para o fim. A entrega do casino à Estoril Sol foi acompanhada de uma alteração à Lei do Jogo. Dois pareceres da Inspecção Geral de Jogos, em sentido contrário num curto espaço de tempo, permitiram à concessionária reclamar a posse do imóvel do casino, contrariando o princípio geral da reversibilidade para o Estado no final da concessão. O ministro do Turismo à época, Telmo Correia, teve dúvidas sobre a interpretação final da Inspecção Geral de Jogos e, não querendo comprometer-se, limitou-se a “tomar conhecimento”, o que foi suficiente para a empresa defender os seus interesses.
Em escutas telefónicas no âmbito do processo Portucale, segundo o “Expresso”, há conversas entre Abel Pinheiro, dirigente do CDS responsável pelas finanças do partido, Mário Assis Ferreira, presidente da Estoril-Sol, e Paulo Portas, onde é pedido que Telmo Correio apenas “tome conhecimento”.
Soube-se, entretanto, que os pedidos da Estoril Sol chegaram directamente ao primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, e que quem pede orienta os termos em que a decisão deve ser tomada, para evitar o relacionamento de uma lei geral com o caso concreto.
De tudo o que foi descrito, há várias coisas irrefutáveis. A Estoril-Sol ganhou a extensão da concessão da zona de jogo para Lisboa, pressionou dois governos (o de Barroso e o de Santana) para garantir a propriedade plena do Pavilhão do Futuro e o Parque Mayer continua a sua morte lenta.
O caso é exemplar da forma como se tomam em Portugal decisões que deveriam ser de interesse público. Mesmo para quem não acredita em bruxas, há coincidências a mais neste encadeamento de factos à volta do Casino de Lisboa.
Quem sai mais prejudicado desta lamentável história são os dois partidos da oposição. Não é com episódios destes que o PSD ganha credibilidade para se bater com Sócrates daqui a um ano. Mas o episódio mina a credibilidade da classe política como um todo, pois poucos ousarão pôr as mãos no fogo pelo actual executivo. Afinal, os podres demoram algum tempo a vir à superfície.
Apetece desabafar, como Eça, que Portugal não é um país, é um sítio mal frequentado.