Opinião
Berardomania
Um estrangeiro que chegue a Portugal e se ponha a folhear as principais publicações periódicas portuguesas deve ficar curioso. Porque nos últimos dias o mesmo protagonista tomou conta das primeiras páginas das revistas e jornais e esteve presente no horár
Joe Berardo é, definitivamente, o homem do momento em Portugal.
Desde que lançou a OPA sobre o Benfica que uma verdadeira Berardomania assola o País. O comendador não se limitou a anunciar a intenção de compra de um dos mais famosos símbolos nacionais. Disse que o fez com o coração, para apoiar as acções do Benfica, que estariam a ser prejudicadas na bolsa pela acção de investidores incógnitos, que não queria controlar nem passar a gerir a SAD. E pronunciou os comentários que fizeram correr rios de tinta sobre a qualidade do plantel encarnado, em particular sobre Rui Costa.
Pelo menos até a CMVM o mandar calar e passar a escrito as suas intenções relativamente ao Benfica – que sim queria controlar e passar a influenciar a gestão do clube e participar na constituição de um fundo para comprar jogadores –, Berardo esteve sempre na primeira linha da informação.
Mas ninguém cala Berardo. Nem mesmo a CMVM. E se teve que se refrear a propósito do Benfica, outro tópico estava na calha, com a inauguração do Museu Berardo no Centro Cultural de Belém. Com as suas capacidades inatas para a comunicação, Joe Berardo tem o perfil certo para ter sucesso na política. Nem precisava de "spin doctors" (a outra palavra do momento) para o aconselharem, porque ele é bem capaz de fazer esse trabalho sozinho.
E assim, depois de vários dias a falar do Benfica, passou a falar da sua colecção de arte moderna, do acordo que fez com o Estado que lhe permite vendê-la por 316 milhões de euros (avaliados pela leiloeira Christies) ao fim de dez anos, suportando o Estado, até lá, o custo da sua manutenção e exibição, onde se inclui a cedência da área de exposições do CCB em exclusivo à sua colecção. E o homem que diz que "negócio é negócio" e que está a perder 7,5 milhões de euros por ano com o acordo que fez com o Estado, além de outras miudezas sobre a repartição das despesas, também diz que "o que é doado nunca tem o seu valor".
Uma afirmação no mínimo controversa, à luz do movimento mecenático crescente por parte de grandes empresários, como os casais Gates ou Buffet. Aliás, à atenção de Joe Berardo, um estudo da Giving USA Foundation divulgado ontem revela que, em 2006, as doações de particulares, empresas e fundações cresceram 4% em 2006, para 220 mil milhões de euros. Felizmente para o mundo, nem todos os homens ricos têm o mesmo entendimento de Joe Berardo de que o que é doado não é devidamente apreciado.
Nesta altura do campeonato, já não faz sentido reavivar a discussão sobre se o País sai a perder ou a ganhar com a manutenção da colecção Berardo em Portugal. Provavelmente ninguém poderá dizer que não é positivo que a colecção possa ser vista em Lisboa. Pode é discutir-se se o preço não será elevado. Mas até para isso é demasiado tarde.
Aproveite-se portanto para usufruir a colecção Berardo. E, à falta de um Gates ou afim, aproveite-se o comendador a que temos direito.