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Amazónia fiscal

O nosso sistema de benefícios fiscais é a Amazónia nacional: a diversidade é levada ao extremo, visto de fora tem um aspecto formidável e reúne todos os consensos politicamente correctos. Mas desenvolveu-se de forma descontrolada.

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E só não ganhou vida própria porque tem sofrido da actividade humana. Quase sempre pelos piores motivos. Como na mais famosa das florestas tropicais.

Na edição de sexta-feira, as jornalistas Elisabete Miranda e Filomena Lança anteciparam as principais conclusões do grupo de trabalho constituído pelas Finanças para a simplificação fiscal. A proposta é uma ruptura, porque basicamente defende o fim de quase todas as deduções à colecta e benefícios fiscais.

Sim, aqueles «abatimentos» que pessoas e empresas se habituaram há muito fazer no imposto a pagar sobre os rendimentos? É para acabar.

As despesas com Educação são as mais apelativas, mas essa lista de incentivos a extinguir também acrescenta incentivos para a aquisição de equipamentos de energias renováveis, para encargos com prémios de seguros e com lares. Uma lista que se junta a outra recomendação já feita, para a extinção das dezenas dos «regimes especiais» e de incentivos concedidos a empresas em sede do IRC.

A oposição é contra e, pela voz de um deputado do PSD que é colunista deste jornal, alertou para o aumento da carga fiscal camuflado. A associação de pais indignou-se, reafirmou que até queria mais incentivos às despesas com a Educação e lembrou que pede a regra de «sem limites» idêntica à Saúde.

Os ambientalistas recordaram, naturalmente, que não conhecem outra forma eficaz para o Estado estimular o consumidor a mudar de comportamento e migrar para as energias limpas.

E líderes de opinião, como Nicolau Santos no «Expresso», chamou a atenção para uma verdade soberana: «Qualquer cidadão tem amplas razões para duvidar da eficácia das políticas redistributivas fora do sistema fiscal.»

Tudo isto é válido, todos estes receios são fundados e, quando assim é, o mais razoável é enfiar o relatório numa gaveta, pegar no armário, escondê-lo na cave do Ministério e deixar tudo como está. Sucede que, como está, também não está bem.

E Miguel Frasquilho, do PSD, só não tem toda a razão, porque uma dedução à colecta ou qualquer outra forma de incentivo fiscal é, de facto, despesa pública. Não é diferente, a não ser do ponto de vista semântico, um milhão de euros gasto pelo Estado no novo aeroporto da Ota ou na floresta de centenas de «descontos» que prolifera no nosso sistema de impostos.

Aliás, o incentivo fiscal tem uma característica agravante face ao subsídio directo: não é transparente. Raramente é objecto de escrutínio público. A taxa efectiva de IRS paga por cada português é, em média, de 10%. Certamente, caro leitor, que se sente lesado com esta informação. A taxa efectiva de IRC paga pela banca é historicamente baixa e objecto de constante polémica.

Pois é a Amazónia das deduções, incentivos e benefícios que esconde a verdade fiscal. Deve então o Estado, por causa da crise financeira que enfrenta, abdicar da sua política social e ambiental? E, como o Nicolau questiona, confiamos nós na eficácia da despesa pública directa para redistribuir o rendimento?

A primeira resposta é «obviamente não». E, na segunda, manda a prudência dizer «também não». O Governo criou porém a obrigação de continuar, apesar de o caminho ser difícil e a floresta impenetrável. Há todos os motivos para extinguir a maioria dos benefícios e deduções. Cumprida uma condição: não reverter para o Estado um único cêntimo dessa operação. Ter os filhos na escola e os pais num lar deve continuar a ser «apoiado». Com uma descida da taxa de IRS que paga. O sistema continua progressivo. Mas com taxas mais baixas.

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