Opinião
A espiral da mentira
Nos Estados Unidos, o Estado ajuda a economia a funcionar. Na Europa, o Estado atrapalha a maioria das economias. Em países mais atrasados, o Estado é a economia. Em Portugal ainda é pior, porque o Estado é o Governo.
O Estado, através do legislador, tinha fixado um modelo para o sector da electricidade nacional: liberalização. Dar liberdade às empresas e aos consumidores é a melhor forma até hoje conhecida, em toda a História da Humanidade, para uma sociedade atingir o progresso.
O Estado português, através do Governo, assumiu pois um compromisso com o mercado, na presença de toda a gente: a monopolista EDP, os seus accionistas, os seus clientes e as eléctricas estrangeiras que se preparavam para os conquistar.
Não foi há muito tempo. Um mês e meio. Antes, em Fevereiro, o mesmo Estado, através do mesmo Governo, tinha decretado o modelo tarifário que viabilizava esse passo, de enorme alcance, da liberalização do mercado eléctrico para cinco milhões de consumidores.
Tudo certo, portanto. O Governo é soberano em matéria legislativa, como recordou ontem o seu ministro da Economia, e foi na legitimidade que obteve nas urnas de voto que decidiu o que bem entendeu e legislou da forma que quis.
E é por não podermos permitir que o sistema capitalismo se transforme numa selva que, depois de o poder político fazer o seu trabalho, oEstado deve continuar a exercer uma vigilância apertada e rigorosa dos mercados.
É por isso que, em defesa dessa mesma soberania, se criaram entidades reguladoras com poder e independentes. É por isso que, para garantir que as regras são mesmo para cumprir e, por conseguinte, para ter a certeza de que os infractores são severamente punidos, se exige um sistema de justiça eficaz.
E quando pensávamos que estava finalmente Portugal nos trilhos da normalidade, quando o Estado regulador fixou as tarifas eléctricas para o próximo ano, somos novamente confrontados com o nosso subdesenvolvimento.
O Governo socialista destacou o seu ministro da tutela para fazer mais uma figura triste. Manuel Pinho, com a mesma convicção que em Setembro se afirmou liberal na abertura do mercado, apareceu ontem a fazer de soviético a anunciar a morte do mercado que nem tempo teve para nascer.
A intervenção deste Governo socialista vergonhosa na forma e uma calamidade no conteúdo. Verdade seja dita, não é inédita. Outro Governo, também socialista, adoptou prática idêntica na política dos combustíveis, com os resultados que sabemos.
É uma vergonha ver um ministro da República dizer que foi na véspera surpreendido com um aumento de quase 16%, conhecendo ele todos os pressupostos em que essa subida assenta. É uma vergonha que tenha levado mais de um ano para legislar sobre a política tarifária eléctrica e agora desfazê-la em menos de um mês.
E é um vergonhoso descaramento argumentar que na Europa os aumentos não serão tão drásticos, sabendo ele que é precisamente pelo facto de nunca ter adoptado estas práticas de avestruz que a Europa não tem um défice tarifário como só nós e os espanhóis têm para corrigir.
Porque são os efeitos uma calamidade pública? Porque a electricidade, como o petróleo, é um bem escasso e, pior, é caro. A intervenção do Governo é grave porque cria ilusões. Ou seja, incentiva comportamentos irracionais no país que já é destacado recordista europeu na ineficiência energética e na dependência do exterior. Se os preços são administrativamente contidos, as pessoas não reduzem o consumo – como estão, aliás, a fazer na gasolina.
O secretário de Estado-adjunto confessou o "mau momento" ao culpar os consumidores pela subida da electricidade. De facto, um grande disparate. Deveria ter presente que, neste país, as leis não funcionam. Nem a da oferta e da procura.
Por isso, o preço nunca é o ponto em que as duas linhas se cruzam e fixam o equilíbrio. Aqui o preço define-se num gráfico tridimensional. No eixo do ‘x’ o Governo manipula, no ‘y’ o produtor é subsidiado e no ‘z’ ao consumidor tudo acontece: gasta desalmadamente energia, não paga na factura da EDP mas depois ajusta contas na declaração do IRS.
Nunca foi caso para um ministro demitir-se. Mas o regulador que fica lá a fazer?