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17 de Abril de 2014 às 19:30

Os Lobos de Wall Street

"Mas que bela caracterização sobre o estado do capitalismo do século XX", exclamou o "motivador profissional" Jordan Belfort enquanto olhava para o seu passado de fraude, sexo e drogas. Como líder da empresa de corretagem Stratton Oakmont, ele espoliou investidores de centenas de milhões de dólares no início dos anos 90. Vi o filme "O Lobo de Wall Street" de Martin Scorsese e fiquei intrigado o suficiente para ler a biografia de Belfort, na qual se baseia o argumento do filme. Aprendi muito.

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Por exemplo, o esquema fraudulento conhecido como “pump and dump” (compra seguida de disseminação de informação falsa e de venda), que garantiu lucros ilícitos a Belfort e aos seus associados, é muito mais bem explicado no livro do que no filme. A técnica consiste em comprar as acções de empresas sem qualquer valor através de um mandatário, vendê-las num mercado em alta a investidores genuínos, e depois largar tudo.

 

Não foram só pequenos investidores que foram à ruína; o que salta mais à vista é a ganância e ingenuidade dos ricos, a quem os vendedores “jovens e estúpidos” que Belfort preferiu contratar conseguiram vender o mesmo lixo. Belfort era (é) obviamente um vendedor da banha da cobra super-traiçoeiro, que foi brilhante no sua arte até as drogas terem arruinado o seu juízo.

 

Belfort, que está outra vez a vender o elixir do sucesso após uma breve passagem pela prisão, declara que sente vergonha pelo seu comportamento; mas eu suspeito que bem lá no fundo, o seu desprezo pelas pessoas que enganou supera qualquer remorso.

 

Num livro recente, “Capital in the Twenty-First Century”, o economista Thomas Piketty destaca o fenómeno do “extremismo meritocrático” – o culminar de uma transição de um século desde a desigualdade do passado, caracterizada pela riqueza herdada e estilos de vida discretos, para a nova desigualdade, repleta de bónus enormes e de um consumismo chamativo. A Stratton Oakmont era um exemplo desta trajectória.

 

Belfort foi descrito como uma espécie de Robin Hood perverso, que roubava aos ricos para dar a si próprio e aos seus amigos. Os ricos eram a sociedade Protestante de classe alta, que herdou as suas posses, e cujos membros haviam perdido a capacidade de proteger a sua riqueza, que foi, assim, legalmente confiscada por oportunistas, na sua maioria judeus, com experiência das ruas, que eram imorais o suficiente para não tentarem ficar com essa riqueza.

 

Mas o peculato da Stratton Oakmont não era uma excepção em Wall Street. Tal como me disse um bom amigo, que foi regulador na SEC (Securities and Exchange Commission, o regulador do mercado accionista norte-americano) durante 20 anos, quando lhe perguntei sobre a extensão da fraude: “Descobri que era generalizado. O sistema faz com que seja demasiado fácil, e a natureza humana conspira de ambos os lados. A ganância é a fonte de todos os criminosos”.

 

O Lobo de Wall Street foi um predador, mas também o foram todos os reputados bancos de investimento que venderam a curto os produtos que estavam a vender, e também os bancos de retalho que ofereceram hipotecas a mutuários sem viabilidade, que depois voltavam a empacotar e a vender de novo sob a forma de valores mobiliários com notação de rating de investimento. Eram todos lobos com pele de cordeiro.

 

Um sistema bancário decente tem duas funções: olhar pelo dinheiro dos depositantes e reunir aforradores e investidores em negócios proveitosos para ambas as partes. As poupanças são depositadas nos bancos porque há confiança de que eles não as vão roubar, mas a guarda desse dinheiro tem um preço. Os negócios que os bancos proporcionam entre mutuários e mutuantes são a essência das economias modernas – e um trabalho de risco pelo qual os banqueiros devem ser bem remunerados. Mas qualquer dinheiro que os banqueiros ganhem acima e além do custo de os compensar por prestarem um serviço essencial representa aquilo que o ex-regulador britânico Adair Turner chamava de “desperdício social”, ou o que se costumava chamar de “usura”.

 

Não é a extensão do sistema financeiro que nos deve alarmar, mas sim a sua concentração e conectividade. No Reino Unido, uma cada vez maior percentagem de activos bancários tem vindo a ser concentrada nos cinco maiores bancos. A teoria económica básica diz-nos que os lucros excessivos são o resultado directo de uma propriedade concentrada.

 

A conectividade é o elo de ligação entre os bancos. Estes elos podem ser criados em função da localização, como acontece em Wall Street ou na City de Londres. Mas tornaram-se globais através do desenvolvimento de derivados, que foram criados com o objectivo de aumentar a estabilidade do sistema bancário como um todo através da dispersão do risco. Porém, o que eles fizeram foi aumentar a fragilidade do sistema ao correlacionar o risco num espaço muito maior.

 

Tal como sublinha um paper de Andrew Haldane, do Banco de Inglaterra, e do zoólogo Robert May, os derivados foram como um vírus. Os engenheiros financeiros e os traders partilhavam os mesmos pressupostos sobre os riscos que estavam a assumir. Quando esses pressupostos se revelaram falsos, todo o sistema financeiro estava exposto à infecção.

 

A concentração e a conectividade reforçam-se uma à outra. Dois terços do recente crescimento das folhas de balanço dos bancos britânicos são relativos a dívidas entre bancos, ao invés de serem relativos a dívidas entre bancos e firmas não-financeiras – um caso evidente de dinheiro gera dinheiro.

 

Os reformistas querem definir um tecto máximo sobre os bónus dos banqueiros, criar barreiras entre os departamentos bancários, ou, de forma ainda mais radical, limitar a percentagem que um único banco detém do total de activos bancários. Tal como dizem Haldane e May: “A excessiva homogeneização dentro de um sistema financeiro – todos os bancos a fazer a mesma coisa – pode minimizar o risco de cada banco a título individual, mas maximiza a possibilidade de todo o sistema falhar”. Desde que os bancos consigam lucrar com as transacções, eles vão continuar a expandir derivados à margem de qualquer exigência legítima de cobertura de riscos das instituições não-bancárias, e assim criam produtos redundantes cuja única função é criar ganhos para os seus inventores e vendedores.

 

Actualmente, o tema mais importante na reforma da banca é, de longe, como combater os derivados, e a busca por soluções deve ser guiada pelo reconhecimento de que a economia não é uma ciência natural. Tal como assinala May: “As probabilidades de uma tempestade raríssima ocorrer não mudam porque as pessoas acreditam que ela se tornou mais provável”.

 

Nos mercados financeiros, as probabilidades dependem sim do que as pessoas pensam. Quanto menos tiverem de pensar, melhor. Jordan Belfort estava parcialmente certo: as pessoas que entram no mundo da finança não devem ser muito espertas.

 

Robert Skidelsky, membro da British House of Lords, é Professor Emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Bruno Simões

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