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Domar a cultura empresarial tóxica de Murdoch

As empresas de Murdoch mostraram-nos quem são e o que realmente são. São organizações que exercem um grande poder e influência que usam sem qualquer hesitação

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"Quando alguém te diz quem é", aconselha a romancista Maya Angelou "acredita nele a primeira vez". O mesmo conselho pode ser aplicado às empresas. Apesar do que as companhias de Rupert Murdoch nos vêm a contar sobre elas há anos, muitos, desde membros da administração a reguladores, têm tapado os seus ouvidos de forma eficaz.

 

Consideremos a Fox News, uma subsidiária da 21st Century Fox. Apesar das mensagens racistas e sexistas que têm estado presentes nas notícias e nos comentários da Fox News desde que a estação foi lançada, em 1996, foram precisos mais de 20 processos, alegando discriminação racial e sexual, para que o problema fosse assumido. A verdade é que a empresa há muito que dá prioridade aos lucros em vez de dar à ética, apreciando os homens que lhes dão dinheiro, independentemente do seu mau comportamento – ou do quão flagrantes sejam as suas violações dos direitos ou da dignidade dos seus colegas menos lucrativos.

 

Durante o seu mandato de 20 anos, Roger Ailes, antigo CEO da Fox News, promoveu um ambiente de bullying, assédio e má conduta. E, aparentemente, ele liderou pelo exemplo: antes de ter falecido no início de Maio, dez mulheres acusaram-no publicamente de assédio sexual e, pelo menos, mais 20 mulheres acusaram-no em privado de algum tipo de assédio no local de trabalho. Estas acusações forçaram-no a sair da Fox News no ano passado.

 

Uma pessoa que entusiasticamente seguiu o exemplo de Roger Ailes foi Bill O’Reilly. Durante os 21 anos de O’Reilly na Fox News, a estrela principal da estação, e a sua empresa-mãe, pagaram a cinco mulheres um total de 13 milhões de dólares para elas desistirem de litígios ou permanecerem em silêncio sobre as suas alegações de assédio sexual contra O’Reilly. Dois desses acordos foram alcançados após a saída de O’Reilly.

 

A cultura empresarial que permitiu a Ailes e a O’Reilly comportarem-se como se comportaram, aparentemente manteve-se assim até às suas saídas. Ambos foram obrigados a deixar a empresa depois de se terem tornado problemas. No caso de O’Reilly, a Fox News apenas actuou depois de os patrocinadores, preocupados com as suas próprias reputações, terem retirado os seus anúncios publicitários do programa The O’Reilly Factor. E os elevados montantes que receberam quando saíram – Ailes recebeu 40 milhões de dólares e O’Reilly recebeu 25 milhões de dólares – excedeu em muito o que foi pago às suas vítimas no âmbito dos acordos alcançados. Vítimas que tiveram de sair da empresa muito antes dos seus assediadores.

 

O problema há muito que impregnou a News Corp e a 21st Century Fox, ambas fruto de cisão, desde 2013, da News Corporation original, depois do escândalo do News of the World, em 2011, quando os funcionários do tablóide britânico foram acusados de terem feito escutas telefónicas, subornado polícias e exercido influência imprópria. Um editor do The Sun, que há muitos anos ocupava o cargo, foi dispensado por, numa coluna, ter feito uma comparação racista entre um jogador de futebol e um gorila.

 

O conselho de administração da News Corp, que até à altura do escândalo incluía o investidor de capital de risco Thomas Perkins (que comparou a chamada guerra contra 1% da população com rendimentos mais elevados à perseguição que os nazis fizeram aos judeus), foi um exemplo de uma fraca governação empresarial. Depois de ter surgido o escândalo de pirataria, o conselho de administração apoiou, sem críticas, Murdoch. Embora Murdoch tenham deixado o cargo de CEO da News Corp em 2013, continua a ocupar o cargo de chairman executivo.


Apesar de a News Corp e da 21st Century Fox se terem dividido em duas entidades separadas, pouco mudou desde então. Ainda que os membros do conselho de administração entrem e saiam da News Corp (agora incluem José María Aznar, antigo primeiro-ministro de Espanha, e Kelly Ayotte, senadora norte-americana que foi recentemente derrotada), a atitude negligente quanto à supervisão e responsabilidade continua tão enraizada como na altura em que Murdoch controlava as empresas.

 

O conselho de administração da 21st Century Fox, que é co-presidido por Murdoch e pelo seu filho Lachlan Murdoch, e que tem como presidente executivo o seu outro filho, James Murdoch, aparentemente não compreende que a governação de uma empresa não é apenas proteger o seu resultado líquido. A governação de uma companhia está relacionada com a detecção e a abordagem aos problemas que afectam todos os que interagem com a empresa, como por exemplo a família de Seth Rich, uma vítima de assassinato, sobre quem o apresentador de televisão Sean Hannity criou uma teoria da conspiração bizarra e completamente contestada.

 

A grande influência que as empresas de Murdoch têm e os falhanços dos seus conselhos de administração são consequentes. Por exemplo, os executivos seniores das empresas há muito que beneficiam de um acesso extraordinário ao governo britânico. Num período de 18 meses – de Abril de 2015 a Setembro de 2016 – os líderes das empresas detidas por Murdoch, incluindo o próprio, tiveram 20 encontros com representantes seniores do governo, incluindo o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. Isso é mais do que qualquer outra empresa de comunicação social britânica, e este número não incluiu os encontros informais, jantares e eventos de elevado nível.

 

Nos Estados Unidos, Murdoch aparentemente também fala com o próprio presidente Donald Trump com frequência. Quando o político britânico Michael Gove e o jornalista alemão Kai Diekmann realizaram a primeira entrevista de um jornal estrangeiro ao então presidente eleito Trump, Murdoch estava na sala, embora esse detalhe não tenha sido divulgado durante algum tempo.

 

Ivanka, filha de Trump, que trabalha de perto com o pai na Casa Branca, é também próxima da família Murdoch. Até às eleições, ela foi administradora do fundo fiduciário criado pelos filhos mais novos de Murdoch, administrando quase 300 milhões de dólares em acções da 21st Century Fox e News Corp (ambas empresas que derivaram da News Corporation original) em seu nome.

 

As empresas de Murdoch mostraram-nos quem são e o que realmente são. São organizações que exercem um grande poder e influência que usam sem qualquer hesitação. Estas organizações piratearam, sem preocupações, os telefones de pessoas. Ficaram ao lado dos funcionários que se tiveram comportamentos pouco éticos, enquanto puniram as vítimas. Mais importante que isso, tudo voltou ao "business as usual" assim que a atenção pública diminuiu.

 

É tempo de acreditarmos naquilo que a News Corp e a 21st Century Fox dizem. Mais precisamente, é tempo de aqueles que estão numa posição de topo acreditarem naquilo que as empresas de Murdoch estão a dizer – a começar pelo regulador independente britânico da comunicação social, o Ofcom, que decide se a 21st Century Fox, e a família Murdoch que gere a empresa, tem condições para ir avante com a aquisição da Sky.

 

A News Corp e a 21 st Century Fox devem apresentar garantias aos reguladores, aos membros do conselho de administração independentes e aos investidores. Quando se lida com as grandes empresas, e os seus números por vezes formidáveis, é vital que haja uma supervisão rigorosa e vigilante. Para empresas como as que são controladas pela família Murdoch, parece claro que uma mudança de raiz não vai acontecer de outra maneira.

 

Lucy P. Marcus é CEO do Marcus Venture Consulting.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
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radução: Ana Laranjeiro

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