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30 de Agosto de 2015 às 20:00

Aceitar as palavras do Japão

Nos últimos anos, o número de turistas que visitam o Japão tem vindo a aumentar rapidamente, atingindo um recorde de 13,4 milhões no ano passado, uma subida de 29% face a 2013.

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O Japão parece estar a fazer grandes progressos em direcção ao seu objectivo de recuperar o estatuto de centro cultural da Ásia, que conquistou há 100 anos, quando o poeta indiano, laureado com o prémio Nobel, Rabindranath Tagore, viveu em Tóquio. Os líderes revolucionários chineses Sun Yat-sen e Chiang Kai-shek, juntamente com muitos outros asiáticos proeminentes, também se mudaram para lá.

 

Qualquer pessoa que visite o Japão, hoje em dia, deveria aprender duas palavras-chave: domo, que significa "olá", "obrigado", ou "bem", e sumimasen, que carrega todos os significados de domo, além de "desculpa" ou "com licença". Os japaneses comuns dizem sumimasen inúmeras vezes ao dia, para pedirem desculpa a amigos ou estranhos, mesmo pelos acidentes ou erros mais triviais. Mas, como os líderes do Japão aprenderam desde a Segunda Guerra Mundial, expressar arrependimento ou pesar perante outros países não é assim tão simples.

 

Mas é precisamente isso que o primeiro-ministro Shinzo Abe deve fazer na sua próxima declaração para marcar o 70º aniversário do fim da guerra. A declaração será baseada em consultas com muitos historiadores da Segunda Guerra Mundial, japoneses e internacionais – e mais importante ainda – consigo próprio, com a sua consciência, porque ele compreende o significado das suas palavras sobre este tema tão carregado.

 

Naturalmente, Abe está longe de ser o primeiro líder japonês a enfrentar este desafio. A sua declaração vai seguir uma longa linha de declarações por parte de primeiros-ministros que expressaram remorsos sinceros sobre os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Há 20 anos, o primeiro-ministro Tomiichi Murayama, líder do Partido Socialista, reconheceu que "o Japão, através do seu regime colonial e agressões, causou tremendos danos e sofrimento aos povos de muitos países", particularmente na Ásia. Murayama expressou "sentimentos de profundo remorso" e apresentou " desculpas sinceras" às vítimas.

 

Dez anos depois, o primeiro-ministro Junichiro Koizumi reiterou as palavras de Murayama, acrescentando que, desde a guerra, o Japão tem "manifestado os seus remorsos perante a guerra através de acções", especialmente actividades humanitárias e de assistência ao desenvolvimento. Koizumi também prometeu que "o Japão, como uma nação amante da paz, vai trabalhar para alcançar a paz e a prosperidade para toda a humanidade com todos os seus recursos".

 

Apesar destas declarações directas de pesar, alguns governos e cidadãos continuam a exigir mais, dando a impressão de que nada do que um líder japonês diga ou faça irá convencê-los dos remorsos do país. Esta intransigência é, nalguns casos, compreensível; a dor dos sobreviventes e seus descendentes continua a ser muito grande. Mas, em muitos outros casos, a falta de vontade de ir além da história é impulsionada por interesses políticos.

 

Na verdade, há motivações políticas por detrás das alegações de que Abe não concorda com as desculpas oficiais do passado, apesar das suas repetidas garantias de que concorda, bem como das sugestões de que ele está tentar corrigir a história, embora nunca tenha negado a agressão colonial do Japão. Além disso, alguns produziram retratos do Japão, como um todo, como um país sem arrependimentos - ou, pior, como um país que está fortemente empenhado na remilitarização.

 

A audácia dessas representações é de tirar o fôlego, dado o histórico de sete décadas do Japão como um membro pacífico e construtivo da comunidade internacional. Isto não passa despercebido pelos que, no Japão, perguntam por quanto tempo o seu país terá de pedir desculpas, com alguns a sugerir que, depois de 70 anos, um "tweet" sobre o assunto deverá equivaler a um reconhecimento adequado por Abe.

 

O primeiro-ministro, contudo, continua comprometido com uma declaração forte e sincera sobre o assunto. No início deste ano, Abe anunciou a sua intenção de utilizar a declaração do 70º aniversário para comunicar os remorsos do Japão em relação à guerra, para descrever o progresso que o país tem feito na defesa da paz, e enumerar os contributos que o Japão pode dar à Ásia e ao resto do mundo nas próximas décadas.

Na verdade, é o terceiro componente do anúncio que inspira medo em alguns observadores: Ao ajudar a construir uma forte arquitetura de segurança na região da Ásia-Pacífico, o Japão poderá minar a capacidade de alguns actores de promoverem os seus próprios interesses. É por isso que eles lançaram uma campanha sussurrada contra a declaração de Abe meses antes de ele ter começado a escrevê-la.  

 

Mas, naturalmente, a segurança e a prosperidade da Ásia é do interesse de todos. Perante isto, nem mesmo a linguagem da declaração de Abe é particularmente importante; o que importa é a determinação que ele expressar, e as acções que tomar para cumprir - com humildade – as suas promessas. E parece que Abe está, de facto, determinado a fazer contribuições reais para a paz, com base numa cooperação eficaz com os amigos e aliados do Japão.

 

Mas se a Ásia quer caminhar para o futuro, as vítimas da guerra devem reconhecer que o Japão de 2015 não é o Japão de 1931, 1941, ou mesmo 1945, e que, como muitos líderes asiáticos perceberam ao longo dos anos, o perdão beneficia todos. Em 1998, o presidente sul-coreano Kim Dae-jung respondeu positivamente a uma declaração do ex-primeiro-ministro japonês Keizo Obuchi. Os governos da Indonésia, Filipinas, Vietname e outros países fizeram o mesmo, e agora saúdam o compromisso do Japão em actuar, juntamente com os seus aliados, para proteger a segurança regional.

 

A abertura destes países para a reconciliação permitiu ao Japão posicionar-se como um árbitro chave da paz e da prosperidade regional, e como um centro cultural cada vez mais dinâmico. É altura do resto da região seguir o exemplo, aceitar as desculpas sinceras do Japão e trabalhar com o país para construir um futuro melhor. Num momento em que a Ásia enfrenta grandes desafios de segurança, essa postura não poderia ser mais urgente.

 

Yuriko Koike, antiga ministra da Defesa do Japão e conselheira para a Segurança Nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata do Japão e é actualmente deputada no parlamento japonês.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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