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05 de Setembro de 2014 às 16:22

Acabar com as guerras históricas na Ásia Oriental

Georges Clemenceau, primeiro-ministro francês que levou o seu país à vitória na Primeira Guerra Mundial, disse uma frase que ficou famosa: "a guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais". O Japão está a descobrir agora que a história é demasiado importante para ser deixada aos editores dos jornais.

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Na década de 1990, o jornal Asahi Shimbun causou uma verdadeira tempestade no Japão e na Coreia do Sul, ao publicar uma série de artigos, com base nos depoimentos do antigo soldado japonês Seiji Yoshida, sobre as "mulheres de conforto" - coreanas obrigados a prestar serviços sexuais aos membros do Exército Imperial japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Asahi admitiu agora que as confissões do soldado eram infundadas e desmentiu as provas que davam fundamento aos artigos.

 

Essa retracção parece estar a causar tantos constrangimentos - e vitríolo diplomático - no Japão e na Coreia do Sul hoje, como os artigos causaram na altura. Mas, numa altura em que os dois países não se podem dar ao luxo de permitir que abusos, partidários ou descuidados, da história perturbem as suas relações bilaterais, o trabalho descuidado do Asahi acabou por se tornar mais do que péssimo jornalismo; introduziu um elemento perigoso para a diplomacia regional.

 

Alguns dizem que o Japão e a Coreia do Sul deviam seguir o exemplo de França e da Alemanha. Reconciliados nas duas primeiras décadas após a ocupação nazi de França, os líderes desses países entenderam que a sua segurança e os seus laços económicos eram demasiado importantes para o bem-estar dos seus cidadãos para permitir que os velhos ódios prevalecessem. Eles sabiam que a violência inimaginável da Segunda Guerra Mundial foi um resultado directo dos antagonismos que se inflamaram desde as guerras napoleónicas e que persistiram depois de 1918.

 

Em Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, França e Alemanha tiveram dois dos maiores estadistas do século XX, líderes que foram capazes de discernir o longo alcance da história através da névoa da política quotidiana. A sua lealdade foi não só para com os cidadãos que os elegeram, mas também para com as gerações do passado que sofreram as consequências da inimizade franco-alemã, e para com as gerações futuras, que beneficiariam da reconciliação.

 

Dado que o Japão e a Coreia não travaram uma série de guerras um contra o outro, o relacionamento não é o mesmo que existe entre a Alemanha e a França. Mas é claro que ninguém beneficiaria de uma nova ronda de acesos debates históricos. Para evitar isso, são necessários líderes políticos como de Gaulle e Adenauer. Só quando for possível discutir o passado sem comprometer o futuro, é que os países do Nordeste da Ásia serão capazes de estabelecer uma estrutura de paz verdadeiramente duradoura.

 

Como o almirante Dennis C. Blair, ex-comandante da Frota do Pacífico dos Estados Unidos, afirmou, recentemente, numa conferência, "a história da Ásia de 1930 a 1955 não foi bonita…Acho que nenhum país pode ter o monopólio da justiça, nem da culpa ou vergonha" em relação a essa época. Blair acrescentou que "a tentativa de estabelecer um discurso do tipo ‘nós estávamos certos’ e ‘vocês estavam errados’ vai ajudar os nossos filhos e netos a entender o que aconteceu".

 

O Japão e a Coreia do Sul precisam de assumir uma responsabilidade para o futuro, e não ficar obcecados com o passado. Um artigo recente do governo japonês definiu a Coreia do Sul como o país "que compartilha a relação mais estreita com o Japão, historicamente e em áreas como a economia e a cultura". Sem dúvida que muitos, se não a maioria, dos estrategas e especialistas em política externa sul-coreanos partilham desse sentimento. Mas é necessário uma liderança empenhada para transcender as guerras da história e aproveitar todo o potencial da cooperação entre a Coreia do Sul e o Japão, algo que o aliado-chave de ambos os países, os Estados Unidos, deseja fortemente.

 

Por muito tempo, debates históricos imoderados - muitas vezes conduzidos por relatos de jornais tendenciosos - envenenaram as relações bilaterais. Agora, com uma outra guerra de palavras a aquecer, os líderes japoneses e sul-coreanos precisam de dar um passo atrás, reconhecer onde residem os verdadeiros interesses do seu povo, tanto hoje como no futuro, e começar, calmamente, a tomar as medidas necessárias para assegurar a reconciliação duradoura.

 

Yuriko Koike, ex-ministra da Defesa do Japão e conselheira para a segurança nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata do Japão e é deputada na Dieta Nacional (Parlamento japonês).

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria 

 

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