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13 de Fevereiro de 2014 às 17:35

Lições da Europa para as reformas chinesas

É provável que a decisão de política económica mais importante de 2013 tenha sido tomada em Novembro no Terceiro Plenário do Comité Central do Partido Comunista Chinês, que se comprometeu a dar um papel "decisivo" ao mercado na orientação da economia chinesa.

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Uma vez que a China é agora o maior exportador do mundo, depois da União Europeia, e é responsável por cerca de metade do crescimento global, as decisões tomadas em Pequim podem ter um impacto mais importante sobre a economia mundial do que as decisões tomadas em Berlim, Bruxelas ou Washington.

 

Ainda que a abertura da China ao mundo exterior lhe tenha permitido alcançar um progresso económico surpreendente nas últimas três décadas, o país pode agora ter atingido um nível de rendimento em que o problema não é "haver pouco mercado". Pelo contrário, alguns dos principais problemas da China exigem hoje um papel mais forte por parte do Estado.

 

A poluição do ar e da água, por exemplo, só pode ser resolvida com uma maior intervenção do Estado, tanto a nível central como local. Resolver este problema é uma prioridade para as autoridades, e não há dúvidas de que a China tem os recursos necessários para fazê-lo – afinal, o país criou o maior sector industrial do mundo. A luta contra a poluição atmosférica e da água tem a força do país: a disponibilidade de enormes poupanças internas para financiar o investimento necessário em equipamentos de redução da poluição.

 

O dilema para os líderes da China é que satisfazer a necessidade de maior controlo da poluição e de construção de infraestruturas torna mais difícil alcançar o seu objetivo de alterar o modelo económico do país – passar de um modelo centrado no investimento e nas exportações para um modelo baseado no consumo. Mas, mais consumo de hoje iria agravar ainda mais o problema da poluição. Como resultado, o reequilíbrio económico pode ser atrasado pela necessidade urgente de um maior investimento na melhoria das condições ambientais.

 

Da mesma forma, outras áreas da economia exigem maior supervisão do governo. Indústrias de rede como as telecomunicações, gás, electricidade e água tendem a tornar-se monopólios ou oligopólios se forem deixadas à mercê do mercado, por si só. As economias bem geridas alcançam maiores níveis de bem-estar não porque tenham menos regulação nestes sectores, mas porque uma regulação mais eficiente evita a formação de cartéis, protegendo assim os consumidores.

 

Raciocínio semelhante aplica-se à reforma do sector das empresas estatais. O principal problema não é tanto o tipo de propriedade (pública ou privada) mas sim a necessidade de garantir que estas empresas operam de acordo com os princípios de mercado e dentro de um ambiente competitivo.

 

A experiência europeia confirma isso mesmo. O Tratado de Roma, que criou o mercado comum em 1957, não fez distinção entre empresas estatais e privadas, embora muitos sectores da economia (a indústria do carvão e do aço e, em muitos países, o sector bancário) estivessem nas mãos do Estado nessa altura. Em vez disso, o Tratado estabeleceu regras de mercado internas que proibiram os governos de beneficiar injustamente as suas empresas.

 

Esta proibição mudou as regras do jogo para a Europa, porque forçou as empresas estatais a operarem em condições de igualdade e, assim, a tornarem-se tão eficientes como os seus concorrentes, nacionais ou estrangeiros. Uma vez que os políticos locais já não podiam mais usar as empresas públicas para os seus próprios objectivos, a maioria dos países membros decidiu que podia muito bem privatizar muitas delas. Claro que reduzir este sector demorou muito tempo, mas a direcção do processo nunca esteve em dúvida, porque os concorrentes nacionais e estrangeiros das empresas públicas deram, naturalmente, um forte apoio político para o controlo vigoroso das ajudas estatais por parte da Comissão Europeia.

 

Também na China, a questão-chave actualmente são as regras sob as quais operam as empresas estatais. Em vez de uma privatização em grande escala, poderia ser melhor limitar os auxílios estatais e dar às concorrentes os recursos legais para agirem no caso de os apoios estatais distorcerem a concorrência.

 

A área que tem atraído maior atenção é a financeira, e por boas razões. Na maior parte do mundo avançado, o investimento equivale a pouco mais de 15% do PIB, em comparação com perto de 45% na China. Portanto, os mercados financeiros são ainda mais importante para a China do que para os Estados Unidos ou para a Europa, e há sinais claros de que a produtividade do investimento tem vindo a diminuir rapidamente na China.

 

O eixo central das reformas planeadas do sector financeiro da China - a liberalização das taxas de juro - pode não resolver o problema. Em princípio, juros mais altos sobre os empréstimos deviam ajudar a reduzir o excesso de investimento. Mas, num sistema onde há muitas garantias do governo – muitas vezes implícitas - nem sempre são as empresas mais eficientes as que estão dispostas e são capazes de pagar mais para contrair crédito. Liberalizar as taxas de juro pode simplesmente levar asempresas com garantias do governo a superar as empresas menores e mais eficientes, o que tem como resultado mais uma má alocação de capital. Isto sugere que a liberalização financeira pode ser perigosa até que as empresas públicas estejam sujeitas a uma restrição orçamental mais forte.

 

O mais poderoso motor de crescimento da economia global não precisa simplesmente de "mais mercado". Precisa de um quadro regulamentar mais forte para garantir que os seus mercados maximizam a eficiência e o bem-estar social.

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.

 

© Project Syndicate, 2014
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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