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Vocês querem é futebol, não é?

O cordeiro a imolar, agora, é o pobre Carlos Queiroz. A selecção nacional foi corrida do Mundial de Futebol, parece que por má figura, não estou muito interessado neste problema, mas reconheço que ele comporta uma dimensão económico-financeira nada despicienda.

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O cordeiro a imolar, agora, é o pobre Carlos Queiroz. A selecção nacional foi corrida do Mundial de Futebol, parece que por má figura, não estou muito interessado neste problema, mas reconheço que ele comporta uma dimensão económico-financeira nada despicienda. O País andava um pouco anestesiado. A "evasão" é um processo psicológico que auxilia o atenuar das angústias dos povos. Não é, apenas, cá no brejo. Em todo o lado em que há futebol, a ciclotimia das populações dá sinal de si, consoante ganhe ou perca.

Mas o caso português fia mais fino. E o futebol tem sido, historicamente, o véu com que as nossas mazelas são cobertas. Andamos cheios de desemprego, de miséria, de desespero, de ausência de perspectivas, e só se discute futebol a cada hora do dia, sete dias por semana. E quando escutamos os "comentadores" o despautério atinge zonas onde o entendimento normal escapa. Há tempos, a propósito de um encontro caseiro, um expedito relator citou Kant. A princípio, eu julguei que o cansaço dos meus ouvidos atribuísse ao filósofo o que seria "canto." Nada disso: era mesmo o alemão o nomeado para o festim.

Perdeu-se o decoro. Agora, só falta o dr. Cavaco medalhar aqueles que um triste analfabeto designou de "navegantes." Não seria de espantar: os medalhados do 10 de Junho constituem um desfile de anormalidades, só raramente corrigidas pelo que é justo e nobre. Tudo isto dá vontade de ir embora a toda a brida.

Por outro lado, o dr. Pedro Passos Coelho, a quem muita gente conferia um estatuto de esperança e de novidade, depois do lamentável consulado da dr. Manuel Ferreira Leite, tem fingido que anda mas não anda. Há dias, ao anunciar que vai rever o programa do PSD declarou à puridade que o modelo de Sá Carneiro, que o próprio desejara inspirado no SPD de Willy Brandt, era de "outro tempo" e que os "tempos novos" exigiam o acerto do passo. O molde era, agora, a CDU alemã. Escuso de lembrar, aos meus pios leitores, de que a CDU alemã foi o partido de Franz-Josef Strauss, conhecido pelo "toiro da Baviera", e congestivo apóstolo da Guerra Fria e da beligerância a qualquer preço. É, também, o agrupamento de que faz parte a senhora Merkel, tida e havida como casmurra, intolerante e nada hipotecada à inteligência.

Conheci, pessoalmente, o cavalheiro, quando acompanhei, profissionalmente. O Presidente Ramalho Eanes, numa viagem à Alemanha. O homem não falava: rugia; e não olhava de frente: só de esguelha. Era também conhecido pelos hectolitros de cerveja que ingurgitava. De facto, a acreditar na relação de causa e efeito, tão generalizada entre conhecedores, ele era vermelho como um rabanete e sofria de indisfarçável aerofagia. E o pior não era isto: era a política que representava e os ideais convulsos que defendia. A CDU de então não mudou muito.

Pois bem: antes das deploráveis declarações que Passos Coelho proferiu eu alimentava, ingenuamente, a vaga ideia de que ele recuperaria a tradição social-democrata, e animaria as hostes com a introdução, na melancólica e funesta vida política portuguesa, de alguma polémica. A esperança ficou por aí. Polémica, somente a do futebol, cuja direcção não faz sentido algum, a não ser amolecer ainda mais, os espíritos, já extremamente frouxos do português médio.

O Governo diz uma coisa, faz outra ou nada faz. Passos Coelho anda numa dobadoira, não se sabe muito bem o que quer, a não ser que não quer derrubar o Governo, deseja, como diz clementemente, dar a mão a Portugal. Se prossegue (e tudo indica que sim) na ideia de ser um mimetismo da CDU alemã, então, Dilectos, mais vale encomendar as nossas almas a outras procedências. Nada de novo, nada de bom o porvir nos augura. O País está anestesiado. E os que reagem são sempre os mesmos. Leiam os jornais, ouçam os comentadores: de repente, um ou outro parece estar a pregar no deserto.

Os próximos capítulos percorrem a interrogação assustadora: qual o destino de Carlos Queiroz? O dos portugueses não suscita o mais escasso interesse.



APOSTILA - Fechou o diário "24 Horas." Costumava lê-lo, muitas vezes com aprazimento. De qualquer das formas, gostasse-se ou não do estilo e do projecto, é outra voz que emudece. Ou "uma oficina que encerra", como dizia Acúrsio Pereira, mestre de Imprensa. A todos os meus camaradas que ficaram sem tribuna e sem emprego, o mais fraterno e comovido dos abraços.


b.bastos@netcabo.pt







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