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06 de Março de 2007 às 13:59

Ventos, casamentos, e propriedade dos meios de produção

Reza um bem conhecido ditado popular que "de Espanha, nem bom vento nem bom casamento". Para lá dos maus ventos e casamentos, vêm frequentemente de Espanha capitais para comprar meios de produção portugueses, e, uma vez por outra, ideias conceptuais sobre

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O "Expresso" de 9 de Fevereiro relatava, por exemplo, a ofensiva mal sucedida da Prisa sobre a Media Capital na primeira categoria, e a vontade expressa pelo primeiro-ministro espanhol Zapatero de nacionalizar as águas minerais e termais (espanholas, está bem de ver), na segunda. 

O executivo espanhol justifica a sua vontade com o facto de todos os recursos geológicos e hídricos serem, em Espanha, propriedade pública, o que, entende, implica que o engarrafamento das águas minerais deva estar igualmente em mãos públicas, ainda que concessionado a privados por períodos longos.

A questão é interessante, e tem implicações profundas. Tem, sem surpresa, sido tema de debate entre economistas. No pós-guerra, quase todos os grandes economistas defendiam a propriedade pública dos meios de produção, como foi o caso dos futuros laureados com o Nobel da Economia Arthur Lewis (Nobel em 1979), James Meade (em 1977) e Maurice Allais (em 1988). O próprio Schumpeter, no seu monumental Capitalism, Socialism and Democracy, de 1942, reconhecia relutantemente que a propriedade pública de meios de produção podia atenuar a perda de pujança do capitalismo. A generalização da propriedade pública em países como a Itália e a França, por exemplo, não ocorreu portanto à revelia do pensamento económico mainstream na época. Mesmo assim, os resultados ficaram longe do brilhantismo, e contra factos não há argumentos; como argumentar seriamente perante a evidente derrocada das economias socialistas, que levaram a propriedade pública ao extremo? É hoje claro que os grandes economistas do pós-guerra subvalorizaram, na sua defesa da propriedade pública, as consequências do controle político das empresas e a importância da inovação em economias de mercado.

Voltemos ao caso das águas minerais espanholas. O Reino de Espanha é o proprietário da água mineral, e aparentemente, não se opõe a que ela seja consumida, imagina-se que por espanhóis ou estrangeiros, mas tem certamente uma opinião e uma vontade relativamente às características do produto. Se não tivesse, dificilmente se entende o movimento em curso. Pretende, além disso, que a actividade de engarrafamento e comercialização seja realizada por concessionários privados, e não por funcionários públicos. Os factos vindos a público levam-nos a presumir, assim, que o governo espanhol tem uma vontade relativamente ao consumo de água mineral, que quer que o negócio da água mineral se conforme à sua vontade, que não quer empregar funcionários públicos neste negócio mas sim funcionários de engarrafadores privados, e que sabe exactamente o que quer que os engarrafadores privados façam, podendo portanto reduzir a sua vontade a um documento contratual, por cujo cumprimento zelará.

A hipótese crucial para a avaliação da bondade desta política é a de que o governo espanhol sabe o que quer da água mineral e é capaz de reduzir a sua vontade a um contrato cujo cumprimento pode impor. Mesmo que aceitemos com boa vontade que é esse o caso da água mineral con y sin gas, não é certamente hipótese generalizável a governos de toda e qualquer nação e a todos os sectores da economia que são, ou podem ser, propriedade pública. E não é assim porque a propriedade reforça os incentivos do gestor de um negócio para inovar. Por exemplo, o gestor de um negócio postal pode conceber uma melhor forma de distribuir correio. Se for também o proprietário do negócio, pode implementar a sua inovação e apropriar-se dos benefícios da sua acção. Se for um concessionário, pelo contrário, terá de obter o acordo do proprietário para passar à sua ideia à prática, e partilhar os benefícios. Tem claramente menos incentivos para investir e inovar.

No princípio do século XX, já o grande Alfred Marshall, ao destacar nos seus escritos o papel fundamental da inovação na elevação do nível de vida em Inglaterra durante o século XIX, alertava para que se não podia esperar muita inovação da parte do Governo. Nas palavras do mestre: "A Government could print a good edition of Shakespeare’s works, but it could not get them written?". Felizmente para os espanhóis, a água mineral nasce do solo.

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