Opinião
Um pouco de optimismo
Portugal vai passar no curto prazo por um violento processo de ajustamento
Portugal vai passar no curto prazo por um violento processo de ajustamento: intervenção externa do FMI e instituições europeias, perda parcial de soberania em termos de opções económicas, dramatização política, sucessivos programas de austeridade cada vez mais draconianos, extinção abrupta de benefícios e regalias dados como adquiridos, cortes reais dos salários e aumento do desemprego, situações de ruptura em múltiplos serviços públicos, redução do consumo e do investimento, restrições ao crédito bancário que afectarão dramaticamente as PME, necessidades de recapitalizar os bancos num momento de escassez de fundos nacionais, desvalorização do imobiliário, êxodo de profissionais competentes à procura de carreiras entusiasmantes, convulsões sociais potencialmente explosivas, anátema de País incumpridor e que será obrigado a reestruturar a dívida externa.
Estamos perante a receita clássica, dura, fria - e lamentavelmente inevitável, para um País distraído há mais de uma década, entretido a desafiar a ortodoxia económica e as elementares regras de bom senso da governação, em nome de uma estéril e bacoca noção de bem estar.
A questão interessante que hoje se coloca não é tanto saber exactamente quais as doses da profilaxia a aplicar (o tratamento será brutal em qualquer caso), ou quem será a equipa médica, ou quando começará a operação cirúrgica principal, ou qual será o tipo de apoio psicológico que em paralelo será fornecido ao paciente, ou mesmo quanto tempo ficaremos sob observação por especialistas de bata branca e olhar implacável.
O ponto que interessa discutir, pensando a médio prazo, é que País emergirá dos escombros? Atrevo-me a dizer que, se apontarmos na direcção certa e seguirmos com perseverança as reformas estruturais e o choque de gestão que se impõe, daqui a alguns anos renascerá um Portugal mais eficiente, mais sustentável, mais bem defendido da irresponsabilidade, mais atractivo e gerador de oportunidades.
A grande dádiva desta crise é que tem causas objectivas, tem uma narrativa conhecida, tem responsáveis com rosto - e todo este enredo será agressivamente rejeitado pelo povo português. Chegados aqui, o que aprendemos? Que as políticas delirantemente expansionistas pagam-se ao virar da esquina com impostos e redução de poder de compra; que um país dependente do financiamento externo tem de jogar pelas regras austeras do mundo civilizado; que gastar mais do que se produz não é uma via duradoura; que adiar as reformas estruturais preserva a podridão do "status quo" e inibe o crescimento; que num ambiente de recursos escassos as opções erradas comprometem a execução das iniciativas correctas; que se deve aplicar os fundos disponíveis em investimentos produtivos e geradores de competitividade.
Perante este quadro alarmante, uma catarse profunda teria as suas vantagens, ou seja, havendo liderança e vontade geral, poder-se-ia aproveitar este momento de ruptura para transformar radicalmente o panorama económico português. Para tal seria necessária uma autêntica vassourada ao nosso actual modo de vida, estabelecendo um paradigma diametralmente oposto ao que temos vivido: haveria que acabar com os temas tabu, forçando a revisão das funções do Estado, a alienação de activos ociosos, a racionalização das superestruturas. Haveria que exercer maior escrutínio sobre os marajás (públicos e privados), habituados a carreiras de luxo e dispersão. Os grupos económicos incumbentes teriam de abandonar a especialidade nacional do "rent seeking", até porque haverá menos concessões a atribuir e orçamentos mais magros para repartir. Pela mesma razão, o tráfico de influências entre os gabinetes ministeriais e um certo género de gestores e capitalistas tenderia a abrandar. Novos "players" emergiriam, baseados nos sectores transaccionáveis, focados em verdadeiros processos produtivos, com competências em inovação e desenvolvimento, capazes de executar processos de consolidação e "turn arounds" empresariais. Os bancos acabariam por ser obrigados a largar as posições "zombie", a trocar dívida sem solução por "equity" em empresas a reestruturar, criando enormes possibilidades de recuperação e fomentando projectos com ambição. Uma nova classe de políticos poderia assumir-se à medida que os suspeitos do costume saem de cena, dando lugar a abordagens mais técnicas, mais contidas, mais racionais, de puro serviço de cidadania. No topo da agenda económica não figurariam as grandes Obras Públicas, mas sim a criação de um ambiente propício à iniciativa empresarial e receptivo ao capital de risco. Os melhores alunos saídos das universidades não quereriam encalhar como as gerações actuais em empregos nos sectores protegidos e arriscariam os caminhos do empreendorismo. A certa altura, já perante resultados visíveis, os estrangeiros olhariam outra vez para Portugal, aportando capital e gerando possibilidades aos agentes mais sofisticados. Com alguma sorte, parte dos milhares de portugueses qualificados que hoje têm de trabalhar fora encontrariam razões para regressar a um País mais aberto, menos capturado, mais dinâmico.
Se jogarmos os dados certos, se ousarmos uma verdadeira mudança de mentalidades, rompendo com o colete de forças que nos asfixia e apostando na libertação da sociedade civil, o epitáfio para a época actual poderia ser a tradicional e muito portuguesa expressão: "há males que vêm por bem".
Gestor
Estamos perante a receita clássica, dura, fria - e lamentavelmente inevitável, para um País distraído há mais de uma década, entretido a desafiar a ortodoxia económica e as elementares regras de bom senso da governação, em nome de uma estéril e bacoca noção de bem estar.
O ponto que interessa discutir, pensando a médio prazo, é que País emergirá dos escombros? Atrevo-me a dizer que, se apontarmos na direcção certa e seguirmos com perseverança as reformas estruturais e o choque de gestão que se impõe, daqui a alguns anos renascerá um Portugal mais eficiente, mais sustentável, mais bem defendido da irresponsabilidade, mais atractivo e gerador de oportunidades.
A grande dádiva desta crise é que tem causas objectivas, tem uma narrativa conhecida, tem responsáveis com rosto - e todo este enredo será agressivamente rejeitado pelo povo português. Chegados aqui, o que aprendemos? Que as políticas delirantemente expansionistas pagam-se ao virar da esquina com impostos e redução de poder de compra; que um país dependente do financiamento externo tem de jogar pelas regras austeras do mundo civilizado; que gastar mais do que se produz não é uma via duradoura; que adiar as reformas estruturais preserva a podridão do "status quo" e inibe o crescimento; que num ambiente de recursos escassos as opções erradas comprometem a execução das iniciativas correctas; que se deve aplicar os fundos disponíveis em investimentos produtivos e geradores de competitividade.
Perante este quadro alarmante, uma catarse profunda teria as suas vantagens, ou seja, havendo liderança e vontade geral, poder-se-ia aproveitar este momento de ruptura para transformar radicalmente o panorama económico português. Para tal seria necessária uma autêntica vassourada ao nosso actual modo de vida, estabelecendo um paradigma diametralmente oposto ao que temos vivido: haveria que acabar com os temas tabu, forçando a revisão das funções do Estado, a alienação de activos ociosos, a racionalização das superestruturas. Haveria que exercer maior escrutínio sobre os marajás (públicos e privados), habituados a carreiras de luxo e dispersão. Os grupos económicos incumbentes teriam de abandonar a especialidade nacional do "rent seeking", até porque haverá menos concessões a atribuir e orçamentos mais magros para repartir. Pela mesma razão, o tráfico de influências entre os gabinetes ministeriais e um certo género de gestores e capitalistas tenderia a abrandar. Novos "players" emergiriam, baseados nos sectores transaccionáveis, focados em verdadeiros processos produtivos, com competências em inovação e desenvolvimento, capazes de executar processos de consolidação e "turn arounds" empresariais. Os bancos acabariam por ser obrigados a largar as posições "zombie", a trocar dívida sem solução por "equity" em empresas a reestruturar, criando enormes possibilidades de recuperação e fomentando projectos com ambição. Uma nova classe de políticos poderia assumir-se à medida que os suspeitos do costume saem de cena, dando lugar a abordagens mais técnicas, mais contidas, mais racionais, de puro serviço de cidadania. No topo da agenda económica não figurariam as grandes Obras Públicas, mas sim a criação de um ambiente propício à iniciativa empresarial e receptivo ao capital de risco. Os melhores alunos saídos das universidades não quereriam encalhar como as gerações actuais em empregos nos sectores protegidos e arriscariam os caminhos do empreendorismo. A certa altura, já perante resultados visíveis, os estrangeiros olhariam outra vez para Portugal, aportando capital e gerando possibilidades aos agentes mais sofisticados. Com alguma sorte, parte dos milhares de portugueses qualificados que hoje têm de trabalhar fora encontrariam razões para regressar a um País mais aberto, menos capturado, mais dinâmico.
Se jogarmos os dados certos, se ousarmos uma verdadeira mudança de mentalidades, rompendo com o colete de forças que nos asfixia e apostando na libertação da sociedade civil, o epitáfio para a época actual poderia ser a tradicional e muito portuguesa expressão: "há males que vêm por bem".
Gestor
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