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25 de Janeiro de 2006 às 13:59

Um poeta não é um parvo

José Sócrates fez bem em apoiar outro candidato qualquer que não Manuel Alegre. Quando Sócrates pretendesse liberalizar ou reformar, o presidente Alegre seria o primeiro a travar estes movimentos, em nome das conquistas de Abril, o que quer que isso signi

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E pronto, já está Cavaco presidente. As eleições decidiram-se à tangente e foram um caso evidente de como são importantes as campanhas eleitorais. Ao longo das últimas semanas, Cavaco Silva viu a sua base eleitoral desgastar-se continuamente dos 60 para os 50,6% com que ficou. Pelo inverso, Manuel Alegre subiu da casa dos 12 para uns mais animados 20%. Mário Soares e Francisco Louça não conseguiram criar dinâmica nenhuma à sua volta e acabaram da mesma forma como partiram, sem lustro nem brilho. Já Jerónimo de Sousa – que pela primeira vez mostrou ao eleitorado que os comunistas têm mulher, filhos e netos e conseguiu fazer isso render – fixou o seu eleitorado «natural» de uma forma refulgente e conseguiu mesmo revitalizá-lo. Tudo visto, mais uma semana de campanha e Alegre conseguiria uma segunda volta.

Imagino porque o eleitorado apreciou o estilo romântico de Manuel Alegre – a imagem do homem corajoso, que solitariamente avança contra os aparelhos partidários, apenas munido das suas ideias e convicções. O efeito «Sancho Pança». Aquele ar de bom pai de família, homem honrado e patriota até lhe permitiu captar mais alguns votos junto até de eleitores tradicionalmente mais à direita. E dentro do seu espaço natural, o eleitorado do Partido Socialista acabou por o preferir, em detrimento de Mário Soares, demasiado velhote para atrair quem quer que seja – todos os «marketeers» sabem que os produtos que mais vendem são aqueles que aparecem associados à imagem de homens bonitos e jovens. Soares é, goste-se ou não, um «has been» e deixou uma lição aos políticos vindouros: saibam sair de cena a tempo e horas. Também serviu para que o PS possa saber onde residem as suas bolsas eleitorais mais consolidadas e fanatizadas.

É possível imaginar que, se ao invés de dois candidatos em competição, o PS tivesse apresentado um só candidato e que se este fosse Alegre, teria conseguido a mobilização e o «élan» necessários para capturar as dezenas de milhar de votos necessários para forçar uma segunda volta. Mas claro está que, na verdade, José Sócrates fez bem em apoiar outro candidato qualquer que não Manuel Alegre. O poeta é um «naif» que se podia transformar num perigo para a política, especialmente na área económica, deste Governo. Quando Sócrates pretendesse liberalizar ou reformar, o presidente Alegre seria o primeiro a travar estes movimentos, em nome das conquistas de Abril, o que quer que isso signifique em 2006. Deste ponto de vista, Cavaco Silva é o que mais convém ao primeiro-ministro. Os dois juntos lembram aquele par do «senhor Feliz e o senhor Contente». As probabilidades de se entenderam bem são enormes: Sócrates precisa de um Presidente da República que compreenda os seus ímpetos reformistas e Cavaco Silva tenderá a evitar grandes complicações, na perspectiva de ganhar com tranquilidade um segundo mandato. O País respira tranquilidade política. Venha a nós a retoma económica.

Já Manuel Alegre ganhou um capital político a que não saberá resistir. Com pouco espaço dentro do PS – onde se tornou demasiado importante para permanecer como simples chefe de facção – sonhará com as eleições presidenciais de 2011. E uma vez que, na altura, dentro do PS não surgirá nenhum maluco com paciência para se sacrificar contra o Presidente Cavaco, serão desta vez os próprios dirigentes socialistas a estenderam-lhe a passadeira vermelha para uma recandidatura a Belém. Com os resultados de Domingo, o PS já resolveu o seu problema presidencial de 2011. Sabendo que tem capacidade para adicionar a essa base natural de apoio, eleitores do PC, do Bloco de Esquerda e até do espaço do PSD e CDS, Alegre não se cansará de visitar, durante os próximos cinco anos, todos os núcleos de apoiantes que conquistou ao longo do País, para os consolidar com vista ao «próximo grande combate de cidadania». Um poeta é um poeta, mas também não é um parvo.

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