Opinião
Um Ministério nas Penhas Douradas
O PM quer distribuir os ministros pelo País por uma importantíssima razão: para se ver livre deles.
Nos últimos dias, aqui na Escola, os intervalos para café são cada vez mais frequentes e cada vez mais longos. Os meus queridos leitores pensarão que como o calor aperta, preguiçamos um bocado em antecipação daquele binómio noutros tempos inspirador e caracterizador do nosso turismo, o sol e a praia. Nada de mais errado. O que se passa é que andamos preocupados com a formação do governo, alguns até na expectativa de serem contactados.
Não é que esses pobres coitados não tenham o direito de se sentirem injustiçados. No fim de contas, os problemas do país e as possíveis soluções para os resolver foram sempre objecto de acaloradas discussões cá na Escola. Contudo, nunca nos preocupámos muito com as possibilidades de convites para lugares no Governo. Sabíamos, e continuamos a saber, que temos algumas das melhores cabeças portuguesas, assim mo disse um jívaro que passou por cá como professor visitante. Mas sabíamos também que estávamos longe de Lisboa e como tal os primeiros ministros nem sequer se lembravam de nós. Muito menos, pensava, um PM indigitado - indigitado, que vindo de dígito, significa escolhido a dedo, que é o que o nosso PM foi.
Tudo mudou agora quando o futuro PM anunciou que queria nomear pessoas de diversas áreas do País. Ao ouvir tão inesperada comunicação alguns de nós começaram a acalentar a esperança de serem chamados a prestar o seu desinteressado contributo ao bem comum. Na Escola existe uma tradição de elaboração de um jornal de parede, que nos vem dos tempos em que tivemos por cá malta estudante de inspiração maoísta, e onde cada um escrevia as notícias mais relevantes sobre todos os que aqui trabalham. O jornal é invariavelmente feito ao domingo, às escondidas, sendo já conhecido como o «Sunday Times». Pois bem, meus queridos amigos, nos últimos dias têm sido mais que muitas as notícias apontando quem já recebeu telefonemas de sondagem para convite para o Governo, o que faz antever que a telefonista está envolvida na conspiração. Isto até parece os nossos tribunais a funcionar, sabe-se mais dos casos cá fora que lá dentro.
Invariavelmente, todas notícias citam «fontes geralmente bem informadas», como se as houvesse mal informadas dignas de publicação, e os visados alegadamente limitam-se a dizer que não havia condições para aceitar. Esta coisa das sondagens não tem ver com jornais, é mesmo assim. O PM não convida, sonda, e a uma sondagem pode-se sempre dizer que não. Só quem diz que sim na sondagem é que é convidado, o que quer dizer que o PM pode sempre dizer que os ministros indigitados foram os primeiros a ser convidados – e não são nenhuma segunda escolha ou escolha de segunda mão – e que ninguém recusou o convite. Coisas da política?
Ora, de acordo com as informações que coligi lendo o citado jornal de parede, 5 professores do instituto já foram sondados para ministros das Finanças, 3 já o foram para ministro da Igualdade, o anterior reitor para ministro da Modernidade e dois antigos presidentes da Associação Académica para ministro da Juventude. O meu nome também já apareceu 5 vezes, sempre para pastas diferentes embora igualmente relevantes.
Devo confessar-vos que não sei se aceitarei a sondagem para ser convidado. É que não me sinto motivado para ocupar tão alto cargo depois de ter ouvido o PM indigitado dizer que vai espalhar os ministérios pelo santo país fora e não quero eu próprio, sendo despachado para Bragança ou outra terra, ser citado no «Sunday Times» por razões pouco académicas. Aliás, a malta cá da Escola organizou um almoço de aniversário onde chegaram à extraordinária conclusão que por serem meus amigos me recomendavam que não avançasse para o Governo. É preciso – e é bom – ter amigos, são eles que nos seguram nestes momentos.
É que esta coisa de ter os ministérios espalhados pelo País assusta por muitas razões, nem todas perfeitamente entendidas. Certo, reconheço que isto do ministro da Agricultura estar em Santarém por ser a terra da lezíria é complicado quando o ministro entrar em Conselho a cheirar a vacas. E imagino a inveja quando o secretário de Estado do Turismo entrar nas reunião de SE bem bronzeado, agora que o seu gabinete será no Algarve. Ou o que se vai esfalfar o coitado de ministro da Economia, que tem que ir para o Porto, terra onde se trabalha! Só o ministro das Finanças poderá ficar em Lisboa, para esconder o buraco orçamental no túnel das Amoreiras. E já agora, estou cheio de pena do ministro da Cultura, mandado para Foz Côa, com a arquitecta Mila como chefe de Gabinete.
Resta um problema complicado: quando cada ministro vai para seu sítio consoante o seu trabalho, onde fica o PM? Só haveria um sítio adequado à nobre missão de representar o País ao mais alto nível no mais importante foro de decisão do nosso espaço – Bruxelas. Mas não é suficiente grande para dois? E foi embrenhado nestas tão profundas reflexões que me dei conta da verdadeira motivação desta medida. O PM quer distribuir os ministros pelo País por uma importantíssima razão: para se ver livre deles.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntaram a Frederico se fosse convidado para ministro, onde quereria ter o seu ministério, Frederico respondeu: «Nas Caldas».