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17 de Setembro de 2009 às 12:00

Um aplauso contido para Ben Bernanke

A nomeação, por parte do presidente Barack Obama, para Ben Bernanke assumir um segundo mandato à frente da Reserva Federal dos Estados Unidos constitui uma decisão sensata e pragmática, mas não é de celebrar.

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A nomeação, por parte do presidente Barack Obama, para Ben Bernanke assumir um segundo mandato à frente da Reserva Federal dos Estados Unidos constitui uma decisão sensata e pragmática, mas não é de celebrar. Em vez disso, deveria ser uma ocasião para se reflectir sobre a ideologia e o papel dos grupos de reflexão constituídos por economistas, incluindo o próprio Bernanke, no contributo para a crise global económica e financeira.

A decisão de nomear Bernanke é sensata em dois aspectos. O primeiro está ligado ao facto de os Estados Unidos e o resto do mundo continuarem ainda em recessão. Apesar de a crise estar já para trás, no sentido em que escapámos a um colapso geral, o facto é que a economia continua vulnerável. Assim, faz sentido não arriscar um abanão na confiança, pois isso poderia dar origem a uma nova contracção.

Em segundo lugar, Bernanke é o melhor entre os seus pares. Ele acabou por compreender a natureza e gravidade da crise, tendo então tomado medidas decisivas que contribuíram para deter a queda livre da economia. Esses antecedentes, conjugados com a dúvida de que algum dos seus pares pudesse ter feito melhor, significa que substituí-lo por outro candidato não faz muito sentido.

Estes dois factores justificam a sua recondução no cargo, mas os fracos sinais de contentamento revelam os problemas mais profundos que a sua liderança expôs. Esses problemas dizem respeito ao estado da economia e à assessoria das políticas económicas.

Um desses problemas é o veto implícito de Wall Street à Fed. Afinal de contas, uma das principais razões para a recondução de Bernanke é evitar a desestabilização dos mercados financeiros. Isso também explica por que razão é que os únicos rivais de Bernanke provêm do seu grupo de pares - os únicos que os mercados financeiros estariam dispostos a aceitar.

Na década de 90, para se justificar a recondução do antecessor de Bernanke, Alan Greenspan, foi também invocada a necessidade de apaziguar os mercados financeiros e esse é agora o argumento sistematicamente avançado para uma oposição a qualquer mudança na Fed e noutros bancos centrais. Com efeito, os mercados financeiros arrogaram-se um direito de veto implícito no que diz respeito à política económica e às pessoas que podem desempenhar cargos de topo na tomada de decisões políticas e é tempo de pensar de que forma podemos libertar-nos dessa camisa-de-forças.

Um segundo problema diz respeito ao estado da economia. Se bem que Bernanke possa ser o melhor no seu grupo de pares, o facto é que a crise económica decididamente demonstrou que ele e os seus pares estavam errados. Enquanto grupo, juntaram-se na adulação a Greenspan, que um proeminente economista proclamou como sendo "o melhor banqueiro central de sempre". Praticamente sem excepção, os economistas convencionais foram incapazes de prever a crise, e mesmo os poucos que conseguiram erraram no que diz respeito à lógica e desenrolar dos acontecimentos.

Por seu lado, Bernanke liderou a carga intelectual contra a política focada no combate à inflação por parte dos bancos centrais, defendendo que definir uma meta anual para a inflação já era um marco suficiente para a política monetária. Este tipo de pensamento contribuiu para negligenciar os mercados dos activos e do crédito, promoveu o desinteresse intelectual pela regulação e alimentou os excessos de "laissez-faire", pois a crença macroeconómica de que bastava estabelecer uma meta para a inflação ia logicamente a par com a crença microeconómica de que os mercados do crédito cuidariam de si mesmos. Nas palavras de Greenspan, "o interesse próprio das instituições de concessão de crédito" protegeria os accionistas e a economia de uma excessiva concessão de empréstimos.

Este pensamento explica por que motivo é que a Fed liderada por Bernanke foi tão lenta a responder à crise que teve início em Agosto de 2007, a ponto de não adoptar um plano coerente e de envergadura antes de Novembro de 2008. A Fed teria certamente reagido mais cedo se não estivesse presa a um modelo bancário que era mais apropriado para a década de 50.

Desatenta ao papel do sistema bancário "sombra", a Fed não compreendeu de que forma é que a sua implosão poderia minar o sistema bancário tradicional. A Fed simplesmente não conseguiu compreender o significado das importantes carteiras de activos ao valor de mercado ("mark-to-market") da banca tradicional e a sua implicação no sistema bancário "sombra" através de "veículos de investimento estruturado" que não constavam nos balanços.

Qualquer avaliação objectiva do ponto de vista da Fed antes e durante a crise mostra que esta foi incapaz de compreender o sector económico no qual ela intervém: os mercados bancários e financeiros. Além disso, a Fed mostrou-se favorável à desregulação e acreditou na natureza auto-estabilizadora dos mercados, ideias essas que foram completamente desacreditadas pela crise.

Embora as circunstâncias ditem que Bernanke é o melhor candidato e deve ser reconduzido no cargo, o verdadeiro desafio é assegurar uma completa revolução intelectual na Fed, de forma a abrir espaço a pontos de vista económicos alternativos. O grande perigo é que a recondução de Bernanke seja interpretada como uma luz verde ao fracassado "status quo".

É aí que o debate público e as audiências de confirmação de Bernanke perante o Senado entram em cena. Essas audiências poderão constituir uma ocasião para uma análise crítica do que correu mal, e porquê. Se isso acontecer, a recondução de Bernanke pode servir de gatilho para uma mudança construtiva, em vez de ser um visto para um paradigma desacreditado.



Thomas I. Palley é investigador na New America Foundation.

© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
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