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13 de Fevereiro de 2008 às 13:59

Acabar com o monopólio neoclássico em economia

Nos últimos 25 anos, o chamado “Consenso de Washington” - que compreende medidas destinadas a expandir o papel dos mercados e a restringir o do Estado - tem dominado a política de desenvolvimento económico. Conforme disse John Williamson que cunhou a expr

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Mas agora deixou de ser assim. Dani Rodrik, um reconhecido economista da Universidade de Harvard, foi a mais recente voz a questionar os fundamentos intelectuais do Consenso de Washington num convincente novo livro, intitulado “One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth”. A tese de Rodrik é a de que, apesar de haver apenas uma economia, existem muitas receitas para assegurar o sucesso do desenvolvimento económico.

Rodrik prestou um serviço muito importante ao constatar de forma tão aberta a existência de “economia única”. Um crítico que fizesse a mesma afirmação - que a economia apenas permite uma única abordagem teórica - seria tido como paranóico e seria ignorado, ao passo que a reputação de Rodrik cria uma oportunidade de debate que, de outra forma, não seria possível.

A tese das “muitas receitas” diz que os países se desenvolvem com êxito ao seguirem políticas ecléticas, feitas à medida, que respondem a condições locais específicas, em vez de seguirem fórmulas genéricas de melhores práticas concebidas por teóricos da economia. Esta teoria desafia o Consenso de Washington e a sua fórmula de aplicação universal em matéria de privatização, mercados laborais desregulamentados, liberalização financeira, integração económica internacional e estabilidade macroeconómica baseada numa baixa taxa de inflação.

No entanto, se bem que a tese das muitas receitas atraia um grande interesse, usufrua de suporte empírico e sugira um espírito de pluralismo teórico, a reivindicação de uma “economia única” é errónea, uma vez que dá a entender que a economia neoclássica dominante é a única economia autêntica. Parte da dificuldade em explicar esta restrição reside no facto de haver uma disputa na família dos economistas neoclássicos, que divide aqueles que acreditam que as economias de mercado do mundo real se aproximam da concorrência perfeita e aqueles que não acreditam nisso.

Os crentes identificam-se com a “Escola de Chicago”, cujos principais exponentes incluem Milton Friedman e George Stigler. Os descrentes identificam-se com a “Escola do MIT”, associada a Paul Samuelson. Rodrik pertence à Escola do MIT, bem como outros nomes conhecidos, como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Larry Summers. Esta divisão esconde a uniformidade subjacente do pensamento.

A Escola de Chicago advoga que as economias de mercado do mundo real produzem resultados em grande medida eficientes (o chamado “Óptimo de Pareto”), que as políticas públicas não podem melhorar. Assim, qualquer intervenção do Estado na economia há-de sempre prejudicar alguém.

Em contrapartida, a Escola do MIT (Massachusetts Institute of Technology) sustenta que as economias do mundo real sofrem as consequências das falhas omnipresentes nos mercados, onde se incluem a concorrência imperfeita e os monopólios, as externalidades associadas a problemas como a poluição e a incapacidade de fornecer bens públicos, tais como iluminação das ruas ou a Defesa nacional. Consequentemente, as intervenções estatais dirigidas às falhas de mercado - bem como às generalizadas imperfeições da informação e à inexistência de muitos mercados necessários - podem beneficiar todas as pessoas.

Nada disto tem a ver com equidade, que é um assunto diferente. Com efeito, nem a Escola de Chicago nem a Escola do MIT defendem que os resultados do mercado são equitativos, porque os resultados reais dos mercados dependem da distribuição inicial dos recursos. Se essa distribuição não for equitativa, os actuais e futuros resultados também não o serão. Os economistas de Chicago parecem crer que a falta de equidade nos resultados do mundo real é aceitável e, o que é ainda mais importante, que as tentativas para remediar essa situação são demasiado dispendiosas, porque a manipulação dos mercados provoca ineficiências económicas. Eles estão convictos de que a intervenção do governo tende a gerar os seus próprios fracassos, bastante dispendiosos, devido à incompetência burocrática e à procura de rentabilidade fácil, mediante as quais os interesses privados tentam orientar as políticas em seu próprio benefício.

Os economistas do MIT pensam exactamente o contrário: a equidade é importante, o mundo real é de uma injustiça inaceitável e os fracassos do governo podem ser evitados através de um quadro institucional idóneo, onde se inclui a democracia. Estas diferenças reflectem a riqueza intelectual da economia neoclássica, mas justificam em nada a afirmação de que apenas existe uma única economia. Em contrapartida, economistas heterodoxos como Thorsten Veblen e Joseph Schumpeter há muito que trouxeram a lume inúmeras das actuais questões mais prementes da economia neoclássica, incluindo o papel das normas sociais e a relação entre inovação tecnológica e ciclos económicos.

A economia heterodoxa engloba conceitos teóricos de base que são, fundamentalmente, incompatíveis com a economia neoclássica em qualquer das suas duas formas contemporâneas. Estes conceitos resultam em explicações significativamente diferentes do mundo real, incluindo a distribuição dos rendimentos e os factores determinantes da actividade económica e do crescimento. Além disso, muitas vezes resultam na prescrição de diferentes políticas.

O falecido Robert Heilbronner - um dos mais conhecidos discípulos de Schumpeter - via a economia como uma “filosofia materialista”. Tal como os filósofos se dividem quanto à natureza da verdade e do entendimento, a economia divide-se quanto ao funcionamento do mundo real. Os paradigmas devem coexistir em economia, tal como nas outras ciências sociais. No entanto, na prática, o predomínio da crença numa “economia única”, especialmente na América do Norte e na Europa, tem levado cada vez mais a uma visão tacanha e exclusivista desta disciplina.

Esta realidade é difícil de comunicar. Um dos motivos reside no facto de os economistas neoclássicos liberais, como Stiglitz e Krugman, partilharem valores com os economistas heterodoxos, e os valores partilhados facilmente propiciam uma análise partilhada. Uma outra razão é que os economistas heterodoxos e da Escola do MIT também concordam muitas vezes em matéria de políticas aplicáveis, mesmo que os seus raciocínios sejam diferentes. Por ultimo, a maioria das pessoa nem quer acreditar que os economistas possam ser audaciosos a ponto de imporem uma concepção única da economia.

A tese das “muitas receitas” enriquece o contributo da economia neoclássica para o debate sobre o desenvolvimento e muitas das suas propostas normativas contarão com o apoio dos economistas heterodoxos. Contudo, peca por não ter em conta as profundas divisões intelectuais existentes em matéria de desenvolvimento económico, comércio e globalização, porque recusa admitir a legitimidade dessas discordâncias. Ao reiterar a tese da “economia única”, Rodrik revela inadvertidamente a censura infligida à economia contemporânea. O grande desafio não é reconhecer que existem muitas receitas, mas sim criar espaço para outras perspectivas de análise e política económicas.

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