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02 de Julho de 2008 às 14:00

Derrotar os barões do petróleo

Nos últimos 18 meses, os preços do petróleo mais do que duplicaram, infligindo elevados custos à economia global. A forte procura em todo o mundo, muito à conta de economias emergentes como a China, sem dúvida que impulsionou parte do aumento dos preços. Mas a escala dessa brusca subida ultrapassa os normais factores da procura e da oferta, sublinha o papel da especulação e põe em evidência a necessidade de medidas para limpar o mercado petrolífero.

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Reflectindo a sua fé nos mercados, a maioria dos economistas rejeita a ideia de que a especulação seja a responsável pela subida dos preços. Se a especulação fosse realmente a causa, argumentam eles, deveria haver um aumento dos inventários do petróleo, porque os preços mais altos levariam a uma redução do consumo, obrigando os especuladores a acumularem petróleo. O facto de as reservas não terem aumentado exonera, supostamente, os especuladores petrolíferos.

Mas o cenário é bem mais complicado, porque a procura de petróleo é particularmente insensível ao preço. No curto prazo, é tecnicamente difícil ajustar o consumo. A título de exemplo, a eficiência em termos de combustível de cada automóvel e camião é fixa e a maioria dos trajectos não é discricionária. Apesar de o aumento dos preços dos bilhetes de avião poder reduzir as compras, as companhias aéreas só reduzem o consumo de petróleo quando cancelam voos.

Esta situação ilustra um ponto fundamental: no curto prazo, a redução da actividade económica é, por princípio, a forma de diminuir a procura de crude. Assim, como não houve recessão, a procura manteve-se em grande medida inalterada no ano passado.

Além disso, é relativamente fácil adiar a redução do consumo de petróleo. Os consumidores podem reduzir os gastos em alguns caprichos e utilizar o dinheiro economizado para pagarem os preços mais elevados da gasolina. O crédito também pode, temporariamente, colmatar a lacuna orçamental dos consumidores. Apesar de a expansão do mercado imobiliário nos Estados Unidos – que ajudou a esta situação – ter terminado em 2006, o endividamento dos consumidores continua a crescer e a Reserva Federal norte-americana tem vindo a fazer tudo para fomentar isso. Consequentemente, até ao momento, a economia dos EUA tem sido capaz de pagar o imposto petrolífero provocado pelos especuladores.

Lamentavelmente, é difícil provar que a especulação seja a responsável pela subida dos preços, pois esta tende a verificar-se em períodos de crescimento, sendo a escalada de preços facilmente mascarada como um reflexo dos fundamentais económicos. No entanto, contrariamente ao que é defendido pelos economistas, os “stocks” de crude revelam indícios da especulação. As reservas estão em níveis historicamente normais e 10% acima do que estavam há cinco anos. Além disso, com a subida tão forte dos preços do petróleo, os inventários deveriam ter diminuído, devido aos fortes incentivos nesse sentido. Entretanto, o “The Wall Street Journal” revelou que as empresas financeiras estão cada vez mais dedicadas ao aluguer de capacidades de armazenamento de petróleo.

O problema de raiz é que os mercados financeiros são actualmente capazes de mobilizar dezenas de milhares de milhões de dólares para efeitos de especulação. Isso permitiu que os operadores pudessem recorrer a uma estratégia colectiva de compra e rápida revenda de petróleo quando os utilizadores finais ainda estão a adaptar-se aos preços mais elevados – uma situação que foi agravada pela Administração Bush, que tem acrescentado obstinadamente petróleo às reservas estratégicas do país, inflacionando ainda mais a procura e proporcionando capacidades suplementares de armazenamento.

Na falta de uma mudança de convicções por parte dos operadores, a actual escalada dos preços do petróleo só será interrompida se houver uma recessão que esgote a capacidade dos consumidores absorverem a alta dos preços ou quando o lento processo de substituição do petróleo comece a surtir efeito. Assim, com o tempo, os fundamentais económicos acabarão com a especulação, mas entretanto a sociedade terá pago um preço bastante alto.

Enquanto os especuladores petrolíferos ganharam com esta situação, as economias norte-americana e global sofreram e foram arrastadas para níveis próximos da recessão. No caso dos Estados Unidos, a forte dependência da importação de petróleo fez aumentar o défice comercial e enfraqueceu ainda mais o dólar.

Este cenário, que dá muito que pensar, apela a uma nova regulamentação relativamente à concessão de licenças, que restrinja a participação no mercado petrolífero, limite as posições comerciáveis permissíveis e aumente os depósitos mínimos, quando isso for possível. Infelizmente, dados os princípios económicos estabelecidos, a aplicação dessas medidas vai encontrar muita resistência.

No entanto, é possível tomar algumas medidas populistas unilaterais. Uma forma importante de armazenamento de gasolina é a dos depósitos dos automóveis. Se as pessoas deixassem de atestar os depósitos e, em vez disso, enchessem apenas metade, reduziriam imediatamente a procura de gasolina, o que, dada a falta de capacidade de armazenamento, rapidamente poderia fazer baixar os preços e provocar elevadas perdas aos especuladores.

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