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07 de Novembro de 2007 às 13:59

Humpty Dumpty e os desequilíbrios financeiros globais

Há um ditado que diz: “A quem só tem um martelo, tudo lhe parece um prego.” Esta expressão não poderia ser mais evidente do que no debate sobre o défice comercial dos Estados Unidos e os desequilíbrios financeiros globais, dada a tendência dos economistas

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No que diz respeito às contas das receitas nacionais, os défices comerciais representam o excesso de consumo de um país face àquilo que produz. Do ponto de vista de um contabilista, parece lógico rotular os défices comerciais como poupanças negativas. A maioria dos economistas vai mais longe, assegurando que o défice norte-americano resulta da escassez de poupanças. No entanto, uma vez que o défice comercial de um país é o excedente comercial de outro, o presidente da Reserva Federal dos EUA, Ben Bernanke, propôs inverter a raiz da lógica convencional: em vez de ser uma consequência da escassez de poupanças, o défice comercial norte-americano resulta do excesso de poupança a nível mundial – especialmente na China.
 
Ambas as versões da história estão erradas. De que forma se traduz um excesso de poupança em exportações, dado que os agregados familiares não exportam? Da mesma forma, se os Estados Unidos estão a consumir demasiado, por que razão têm estado a encerrar a capacidade industrial e por que motivo é que o mercado laboral é tão brando?

Tanto a hipótese da escassez de poupanças como do excesso de poupanças confundem resultados contabilísticos com causas. Os défices comerciais reflectem transacções entre produtores e compradores, e essas transacções resultam de incentivos e de sinais dados pelos preços. Os consumidores norte-americanos compram produtos importados em vez de bens de fabrico nacional porque os produtos de importação são mais baratos. Esta vantagem de preços resulta, frequentemente, do efeito cambial em países como a China e o Japão, cujas divisas estão subvalorizadas entre 25% e 40%, contrabalançando assim, na maioria das vezes, as vantagens de eficiência dos EUA.

A subvalorização das moedas é apenas uma das políticas a que os países recorrem para impulsionar as exportações e restringir as importações, de forma a conseguirem excedentes comerciais, ao passo que os seus parceiros comerciais (entre eles, os Estados Unidos) apresentam défices. Entre as políticas destinadas a garantir o crescimento pela via das exportações incluem-se, também, os subsídios à exportação e as barreiras às importações.

Na era moderna da globalização, o crescimento pela via das exportações é complementado por políticas de atracção do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), uma combinação que tem sido particularmente bem sucedida na China. Essas políticas associadas ao IDE incluem subsídios ao investimento, diminuição da carga fiscal e isenção perante regulamentos e leis internas.

Estas políticas incentivam as empresas a transferirem a produção para os países em desenvolvimento que, por sua vez, adquirem uma moderna capacidade de produção. Esta situação resulta num aumento das exportações dos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que reduz o seu nível de importação (ou aumenta-o a um ritmo menor do que o crescimento das exportações). Entretanto, as empresas reduzem a capacidade de fabrico e investimento nos seus países de origem – que reduzem as suas exportações, ao mesmo tempo que aumentam as importações. Uma vez mais, a China constitui um bom exemplo deste tipo de padrão, já que perto de 60% das exportações chinesas são produzidas por empresas estrangeiras.

Esta situação é fundamentalmente diferente das hipóteses relacionadas com a escassez ou excesso de poupanças e conduz a políticas absolutamente diferentes. Os países em desenvolvimento precisam de crescer, mas hoje em dia é mais fácil adquirir capacidade e crescer através do IDE do que por meio do desenvolvimento de grandes mercados internos de consumo. Consequentemente, em vez de se confrontar com o excesso de poupança, a economia mundial depara-se com o problema da falta de procura por parte dos países em desenvolvimento.

O desafio consiste em conseguir que as empresas invistam nos países desenvolvidos, mas com o objectivo de produzirem para os consumidores locais. Isso requer que se expandam os mercados nos países em desenvolvimento, o que significa que é preciso combater a desigualdade salarial e conseguir que os rendimentos cheguem às mãos certas – um enorme desafio organizacional que está fora de radar, já que os economistas se têm concentrado exclusivamente nas questões da poupança e da oferta.

Padrões laborais, salários mínimos e sindicatos são parte da solução, tal como aconteceu nos países que se desenvolveram com sucesso. Historicamente, os sindicatos têm sido especialmente importantes, dado que levam a cabo uma negociação salarial descentralizada que vincula os salários à produtividade das empresas.

Consequentemente, os salários são sustentados pelo mercado. A despesa pública também pode ajudar, mas o seu papel é limitado. Os países que substituem a despesa do mercado pela despesa pública acabam por gerar défices orçamentais ou por aumentar excessivamente a tributação, o que elimina os incentivos.

Não há solução possível até que ponhamos de lado as hipóteses relacionadas com a escassez ou excesso de poupança e comecemos a associar os actuais desequilíbrios financeiros mundiais com os padrões de produção globais e a procura inadequada nos países em desenvolvimento. Os tortuosos argumentos de que a poupança é, simplesmente, o outro lado do consumo e dos gastos com o investimento são o equivalente económico ao argumento de Humpty Dumpty em “Alice do outro lado do espelho”: “Quando eu uso uma palavra, ela significa o que eu decidir que significa.”

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