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03 de Setembro de 2008 às 13:00

Especuladores nas bombas

Até há bem poucas semanas, quando os preços do petróleo não paravam de subir, houve um debate aceso sobre o papel relativo dos fundamentais económicos e da especulação na subida das cotações do "crude". Apesar de os preços desta matéria-prima terem já caído fortemente face aos seus máximos históricos, o debate não deve ser esquecido, ...

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Apesar de os preços desta matéria-prima terem já caído fortemente face aos seus máximos históricos, o debate não deve ser esquecido, já que tem profundas implicações políticas que os responsáveis governamentais fariam mal em ignorar.

Obviamente que se os preços mais elevados se devem aos fundamentais, então os mercados petrolíferos estão a funcionar como deveriam. Mas se a subida das cotações resulta da especulação, então as autoridades reguladoras dos mercados de capitais devem tomar medidas para travar qualquer comportamento que tenha imposto custos imensos e desnecessários à economia global. E quando se confrontam as provas, tudo aponta para a especulação como a culpada.

Enquanto muitos intervenientes no mercado petrolífero culparam a especulação, a maioria dos economistas defende a forma como os mercados do "ouro negro" se comportaram e aponta os fundamentais económicos. Um argumento que os economistas utilizam é o de que a subida dos preços se deve ao enfraquecimento do dólar. Uma vez que o petróleo está cotado em dólares, a desvalorização da "nota verde" torna o petróleo mais barato para os utilizadores de outros países, o que aumenta a procura global.

Um segundo argumento é que a subida das cotações do petróleo se deve às menores taxas de juro e às previsões de preços mais altos no longo prazo. Isso, supostamente, reduziu a oferta, ao encorajar os produtores a armazenarem o petróleo no solo e a extraí-lo mais tarde.

Um terceiro argumento é que se a especulação fosse a culpada da subida dos preços, deveria ter havido um aumento dos "stocks" de petróleo, porque os especuladores não consomem petróleo. Em vez disso, armazenam-no para o venderem mais tarde. Como não se observou um aumento dos inventários de "crude", não houve especulação.

Estes três argumentos são fracos. O preço do petróleo subiu muito mais do que o dólar caiu. Isso significa que os preços do petróleo aumentaram noutros países, o que deveria ter reduzido, e não aumentado, a procura. Além disso, foram os elevados preços do petróleo que debilitaram o dólar e não o inverso. Isto porque a subida dos preços do petróleo fez aumentar a inflação nos Estados Unidos, agravou o défice comercial norte-americano e aumentou as probabilidades de uma recessão nos EUA, já que funcionou como um imposto sobre os gastos dos consumidores.

Também não há relatos de quaisquer cortes de produção fora do habitual – o foco central do segundo argumento. Na verdade, a subida dos preços do petróleo incentiva os produtores independentes a aumentarem a produção. A última vez que os preços do "crude" atingiram os actuais níveis foi em 1980, o que demonstra que guardar o petróleo no solo pode não ser bom negócio. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) também tem um forte interesse em manter o seu actual nível de produção. O cartel quer manter os preços baixos para que a economia mundial continue viciada em petróleo e para travar substituições a nível tecnológico de fontes de energia alternativa.

Por último, o argumento relativo ao armazenamento não reconhece os diferentes tipos de inventários. Assim, os recordes dos preços especulativos provavelmente fizeram com que os operadores de combustível marítimo libertassem os seus "stocks", mas essas remessas podem ter sido compradas por especuladores que são agora arrendatários activos de capacidade de armazenamento comercial. A implicação é que os especuladores podem fazer disparar os preços e aumentar os seus inventários, mesmo que os inventários comerciais totais não sofram grandes alterações.

Por outro lado, a especulação no mercado petrolífero pode ter induzido uma "especulação em eco", através da qual os utilizadores finais compram produtos refinados com antecipação para se protegerem contra futuras subidas de preços. Aceitam entregas nas suas instalações, o que faz com que os inventários totais de produto refinado aumentem, sem que esse aumento seja contabilizado nos inventários comerciais reportados.

Demonstrar que a especulação é responsável por preços mais altos é sempre difícil, porque tende a ocorrer num contexto de fundamentais fortes. No entanto, existem provas consideráveis que apontam fortemente para um aumento da especulação nos mercados petrolíferos de hoje. Um sinal-chave é a transformação – documentada – no carácter da negociação de petróleo, com os especuladores (ou seja, as instituições financeiras e os fundos de cobertura de risco) a representarem, actualmente, 75% das transacções, contra 37% há sete anos.

No que diz respeito aos fundamentais do mercado, não se observaram mudanças nas condições da procura e da oferta que expliquem a magnitude do salto não esperado nos preços do petróleo. Além disso, o comportamento real dos preços do "crude" é consistente com a especulação. Em Junho, as cotações do petróleo dispararam 11 dólares numa só sessão e em Julho caíram 15 dólares em três dias. Esta volatilidade não se enquadra num mercado orientado por fundamentais.

Apesar da dimensão do mercado petrolífero, a especulação pode fazer mexer os preços devido à falta de elasticidade da procura e da oferta. Qualquer mudança em termos de procura de petróleo é sempre lenta devido à inércia comportamental e à tecnologia fixa, ao passo que o ajustamento da produção demora tempo. Estas características tornam o mercado petrolífero vulnerável à especulação.

As compras especulativas pouca expressão têm nos inventários, pois são compras em quantidades pequenas quando comparadas com o mercado na sua globalidade e devido às muitas margens de acomodação do sistema mundial de armazenamento. Consequentemente, os elevados preços, derivados da especulação, podem persistir durante bastante tempo antes de os fundamentais económicos os fazerem descer, como, por fim, parece que está a acontecer.

Com os preços em queda, o imperativo para actuar tende, inevitavelmente, a ceder. É essa a natureza da resposta comportamental às crises e a razão de um mau "status quo" poder persistir. Mas deixar o sistema sem alterações só irá contribuir para manter a vulnerabilidade da economia global a futuros episódios especulativos a que não podemos dar-nos ao luxo que ocorram de novo.

Pensemos como o actual movimento especulativo fez subir a inflação a nível global, reduziu os rendimentos dos pobres em todo o mundo, enfraqueceu o dólar, aprofundou o défice comercial dos Estados Unidos, agravou a instabilidade financeira global e aumentou a probabilidade de uma recessão global. Trata-se de um processo esmagador que precisa de uma acção política urgente.
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