Opinião
«Tolher a Administração Pública ou colher com a Administração Pública?»
Pilotem-se soluções, avaliem-se resultados, corrija-se e estendam-se capacidades novas, respostas novas, «serviço» novo. Mas não se descurem metas temporais concretas, definidas e para cumprir.
Afonso Silva, Partner da Accenture
Não é, em si, surpreendente a medida, dada a determinação do Governo, também por si sido assumida no seu Programa, em «(...) reduzir o seu peso excessivo [o da Administração Pública] e redimensionando as estruturas existentes de acordo com os princípios de qualidade, economia e eficiência que devem nortear a prestação de serviços(...)»,«(...) focalizando a sua actuação na satisfação das necessidades dos cidadãos(..)» e promovendo «(...) uma cultura de mérito e de exigência, em que os serviços devem nortear-se por resultados(...)», «(...) em função da definição de objectivos (...)».
É, de facto, percepção generalizada que a Administração Pública se transformou (sempre terá sido?) numa «máquina pesada», e que os níveis de serviço actualmente assegurados na «satisfação das necessidades dos cidadãos» ficam, salvo excepções verificadas um pouco por todo o lado, (bastante) aquém do que seriam as legítimas expectativas dos usufrutuários desse serviço, que o pagam através dos seus impostos e que dele esperam retorno. Não há cidadão ou empresa que não gostasse de dispor, em actos básicos do dia a dia, de resultados mais céleres, de forma mais cómoda e acessível, e a custos mais reduzidos.
Mas a verdade é que, como numa empresa, os recursos humanos (neste caso, os funcionários públicos) são apenas uma das variáveis na equação de optimização da prestação de qualquer serviço. E é essa a questão que se coloca. Conter ou reduzir apenas o activo humano sem contrapartidas de ajustamento ou complemento de outras variáveis levará previsivelmente a que nem «o mesmo» possa ser feito, e portanto ainda menos «mais e melhor». Assim sendo, dando como boas as motivações e percepções que estão na base da medida agora tomada, importa então, rapidamente, instanciar as restantes variáveis da equação com iniciativas complementares, para que os ganhos antevistos possam efectivamente concretizar-se, permitindo fazer «mais por menos».
Como numa empresa, quando definidos objectivos concretos e quantificados a atingir para o serviço a prestar aos clientes, o número de pessoas e respectivas competências necessárias são inevitavelmente função do «como» prestar o serviço (os processos e a organização), de «com quê» (com que infraestruturas e instrumentos de suporte), a que ritmo, com que índices de produtividade, entre outros.
Como numa empresa, é possível e exequível atingir esses desígnios, e é também verdade que, entre outras, iniciativas como as que configuram o que é comummente designado por «eGovernment», poderão terão um papel determinante:
 – Porque a introdução de novos canais de interacção (não só informativos, mas transaccionais, de prestação de serviço), suportados em novos instrumentos de produtividade, não só permitirá, mas exigirá, a reformulação dos paradigmas de prestação de serviço e o reajustamento dos processos de trabalho e respectivas organizações de suporte.
 – Porque a mudança, por esta via, poderá ser induzida de «fora para dentro» da organização se, como se advoga, as soluções de prestação de serviço forem verdadeiramente centradas nas necessidades do cidadão; «o que é» feito e «como» é feito será reequacionado e as necessidades concretas (face aos tais níveis de serviços e objectivos quantificados) no «front» e no «back office» deverão ser ajustadas à luz da eficiência pretendida.
 – Porque não seria só entre nós que este tipo de iniciativas catalisaria a mudança. Conclui um estudo recentemente efectuado pela Accenture, em 23 países do mundo, que os países mais avançados no que a iniciativas de «eGovernment» diz respeito, e que apresentaram maior crescimento e maiores resultados de modernização («fazendo mais com menos»), foram os que mais cedo aplicaram a essas iniciativas os princípios fundamentais do «Costumer Relationship Management», induzindo a mudança nos processos e na organização que os suporta de «fora para dentro». Não é surpreendente que, no ranking destes países, e em relação ao ano transacto, tenhamos caído da 14ª para a 18ª posição e que os países que já lideravam o ano passado (Canadá, Singapura, Estados Unidos) tenham «alargado o fosso».
 – Porque, tratando-se de iniciativas de melhoria de serviço, e devendo portanto ter definidas métricas de cumprimento dos níveis de serviço pretendidos, facilitarão a introdução de critérios de avaliação objectivos e possibilitarão também por essa via a diferenciação e recompensa de desempenhos, fundamentais numa cultura de mérito e exigência.
Tratar-se-á, é certo, de iniciativas que extravasam largamente a disciplina meramente tecnológica, embora também nela se alicercem. Sem prejuízo do que tem sido já feito, muito há ainda por fazer. Importa, neste contexto, que a procura típica de uma solução «óptima» não prejudique a obtenção gradual de várias «boas» e que as objecções de percurso frequentemente identificadas, não devendo ser ignoradas, sejam, em vez disso, solucionadas.
Pilotem-se soluções, avaliem-se resultados, corrija-se quando e se necessário e estendam-se iterativa, mas rapidamente, capacidades novas, respostas novas, «serviço» novo. Mas não se descurem metas temporais concretas, definidas e para cumprir (caso contrário, a equação ficará sem solução e em desequilíbrio durante mais tempo...). Considerem-se as iniciativas estruturantes internamente tão imperativas como o que foram outras exigências inadiáveis, como a transição do milénio ou o euro. Como se fez nesses momentos, invista-se quando necessário, complementando as capacidades internas com as da própria sociedade civil, cujos agentes (em particular as empresas) estarão provavelmente dispostos a partilhar riscos e investimentos, resultados e ganhos.
Para conter e reduzir custos, será necessário investir para verdadeiramente reformar de forma estrutural. Agora e não mais tarde.
Proclama também o Programa do Governo que a «(...) a Reforma da Administração Pública terá, pois, que ocupar um lugar central no processo de desenvolvimento e modernização(...)» e que se pretenderá que esta seja «(...) uma Administração Pública mobilizadora de iniciativas(...)». Crê-se que a medida ora estabelecida, muito mais do que poder «tolher a Administração Pública» (se encarada isoladamente e de forma redutora), permita vir a «colher com a Administração Pública» tão depressa quanto possível, desde que semeadas e regadas vigorosa e frequentemente outras iniciativas complementares de solução da equação. É isto que certamente espera toda a sociedade civil.
Afonso Silva
Partner da Accenture – Grupo Administração Pública
Comentários para autor e editor para rui.rodrigues@accenture.com
Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia