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01 de Março de 2012 às 10:19

Tectos de vidro e estereótipos nas organizações

Em condições de igualdade de formação e sem diferenças de desempenho que o justifiquem, estranha-se que o número de cargos ocupados por mulheres não tenha uma representação idêntica

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No artigo anterior reflectimos sobre uma das fragilidades de algumas organizações, ou seja, a utilização da formação numa lógica de especialização num mercado marcado por uma crescente necessidade de flexibilização. Hoje coloca-se outro desafio, o do subaproveitamento do potencial de alguns trabalhadores. Trata-se de um paradoxo em tempos de crise que reflecte algumas opções menos fundamentadas por parte da gestão e resulta, igualmente, numa fragilidade organizacional.

A distribuição de género, em contexto de trabalho, tem mudado ao longo dos tempos com o acentuar do acesso da mulher ao mundo do trabalho.

As universidades vêem sair, cada vez mais, um maior número de mulheres para o mercado de trabalho que optam por conjugar os papéis inerentes à família com os do trabalho. Esta realidade suscita novas questões relacionadas com a forma como as organizações gerem a integração das mulheres e as suas opções de carreira.

Desde logo, o artigo 31º do Código do Trabalho - CT (aprovado pela Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro) introduz a necessidade de equidade no tratamento ao destacar que os sistemas de descrição de tarefas e de avaliação de funções devem assentar em critérios objectivos comuns a homens e mulheres, de forma a excluir qualquer discriminação baseada no sexo. São, ainda, reforçadas as questões de igualdade de condições de trabalho e de retribuição.

Não obstante a existência de tal legislação, a actual representação do efectivo feminino nas organizações, dos respectivos níveis de qualificação, experiência e desempenho, a verdade é que a Comissão Europeia divulgou, em 2008, que os salários das mulheres, nos países membros, eram, em média, 17,5% mais baixos que os dos homens.

Também as questões relacionadas com o acesso aos cargos de direcção evidenciam esta assimetria de tratamento. Em condições de igualdade de formação e sem diferenças de desempenho que o justifiquem, estranha-se que o número de cargos ocupados por mulheres não tenha uma representação idêntica.

A partir da ideia de que as opções de vida feminina são distintas, frequentemente se ouve a referência à opção pela maternidade e vida familiar, como argumento para uma menor disponibilidade das mulheres para a ocupação de cargos de direcção.

Estes argumentos camuflam, frequentemente, um fenómeno habitualmente designado de tecto de vidro. Utiliza-se esta expressão para referir uma barreira invisível e inultrapassável que mantém as minorias e, no caso, as mulheres, afastadas dos lugares de topo, independentemente das suas qualidade e competências.

No que às mulheres diz respeito verificam-se diferentes tipos de barreiras que as limitam no acesso às funções de topo. Por um lado, temos barreiras individuais que levam as mulheres a aceitar como uma inevitabilidade fisiológica a sua condição de mãe e as responsabilidades daí decorrentes, abdicando das oportunidades de desenvolvimento e afirmação no mundo do trabalho pelo reconhecimento e gratificação do seu papel no seio da família.

Esta condição está firmemente reforçada por barreiras de carácter social que reforçam os estereótipos relativos às capacidades e papéis da mulher. A mulher, não raras vezes, é vista como mais frágil, menos assídua ou com menor capacidade/interesse por cargos de poder.

Também em termos organizacionais se identificam barreiras que emergem de um não confessado predomínio de uma cultura de base patriarcal. De entre estas barreiras, destacam-se práticas de recrutamento e selecção discriminantes, forte identificação de funções com conotação de género, falha de acompanhamento e formação, falta de oportunidade de desenvolvimento de carreira, subjectividade e enviesamento nos sistemas de notação, comportamentos de exclusão ou pressão sobre as mulheres e sua expectativa de desempenho.
Estas práticas estão contempladas no CT que destaca as figuras da discriminação directa e indirecta. No artigo 23º do CT, considera-se discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável. Por outro lado, considera-se discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.

Independentemente das suas características estas práticas de discriminação tendem a originar sentimentos de iniquidade, níveis inferiores de motivação e auto-estima das trabalhadoras afectadas e possibilitam a emergência de comportamentos lesivos em contexto de trabalho, como sejam desvalorização, assédio e humilhação.

A contenção destes erros obriga a práticas de recursos humanos não discriminatórias, modelos de avaliação de desempenho de objectividade crescente, efectiva gestão de carreiras e políticas de mentoring e de coaching em contexto organizacional.

Note-se que o CT no seu artigo 28º prevê o direito por parte do trabalhador ou candidato a emprego, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito, por prática de acto discriminatório.

Para além de se exporem a condições sancionatórias, estas opções, conscientes ou não, que afastam as mulheres dos lugares de topo, conduzem a que as organizações por erro de gestão de processo de identificação e reconhecimento de competências, restrinjam à partida a sua capacidade de aproveitar o potencial individual. Desta forma, as organizações reduzem a sua capacidade de se afirmarem e competirem por exclusão de efectivos com potencial de diferenciação face ao mercado.






Notas

1. O subaproveitamento do potencial de trabalhadoras resulta numa fragilidade organizacional;

2. Questões relacionadas com a remuneração e o acesso aos cargos de direcção evidenciam uma assimetria de tratamento entre homens e mulheres;

3. As mulheres deparam-se frequentemente com barreiras individuais, sociais e organizacionais que as limitam no acesso às funções de topo;

4. A actual legislação prevê expressamente a obrigatoriedade de igualdade de condições de trabalho entre homens e mulheres.




*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt


** Docente Universitária
acsd.duarte@gmail.com

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