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20 de Junho de 2012 às 23:30

Trabalho emocional e "burnout"

O trabalhador, em contexto de trabalho emocional, vê-se obrigado a esconder ou ajustar as suas emoções. Sucede com trabalhadores da área da saúde em unidades de doentes terminais.

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Atender aos afectos e às emoções em contexto de trabalho era algo impensável e até inapropriado há alguns anos, em virtude da racionalidade do espaço de negócio.

As organizações, orientadas para a previsibilidade e reforço da identidade, ancoravam a gestão das pessoas essencialmente na directividade, na hierarquia e no controlo. Ao indivíduo não era reconhecido o direito à expressão de emoções em contexto de trabalho considerando-se que isso seria uma questão do domínio pessoal ou quanto muito familiar.

Esta perspectiva tem vindo a sofrer mutações ao longo dos tempos. As organizações passaram a assumir-se enquanto sistemas sociais e a integrar a gestão dos afectos e das emoções como aspectos determinantes para o sucesso dos seus resultados.

Particularmente, no que concerne à prestação directa de serviços, a interacção e a forma como as emoções se expressam e são geridas passaram a merecer especial atenção, integrando todo o processo de gestão de pessoas.

Em algumas profissões, a presente temática assume particular importância. A gestão das emoções constitui uma exigência imposta ao profissional que neste papel as adopta intencionalmente com o objectivo de formar impressões específicas e desencadear emoções espelho no cliente. Neste âmbito, tem-se presente a postura de imparcialidade das figuras de autoridade quando chamadas a uma disputa de interesses ou a cordialidade e empatia que um assistente de voo partilha ao expor algum evento assustador ocorrido num voo.

Outras funções associadas à interacção face-a-face ou voz-a-voz, como é o caso nomeadamente de recepcionistas e funcionários ligados à área da saúde, vêem os resultados da acção directamente afectada pela capacidade de transmitir e criar emoções nos clientes.

Através da adopção de determinadas expressões, o trabalhador tem a capacidade de influenciar as emoções dos clientes/utentes e, desta forma, a sua decisão de compra, a fidelização à organização ou mesmo fazer reduzir sentimentos de negatividade ou receio face ao serviço ou acontecimento.

Em 1983, o autor Hochschild considerando essencialmente as profissões de ajuda designou este tipo de trabalho por "trabalho emocional". Trata-se de uma temática que tem merecido numerosos estudos em contexto organizacional.

Mediante treino e monitorização, o empregador tem conseguido controlar a expressão dos estados emocionais do trabalhador e considera-os como factor de desempenho.

Este facto obriga, frequentemente, a processos de modificação e adaptação individual das emoções e expressões do trabalhador, as quais nem sempre se encontram alinhadas com o seu verdadeiro estado de espirito.

O trabalhador, em contexto de trabalho emocional, vê-se muitas das vezes obrigado a esconder ou ajustar as suas emoções por forma a conter o sofrimento de outros. É o que sucede, por exemplo, com trabalhadores da área da saúde a prestar trabalho em unidades de doentes terminais.

Tal ajustamento verifica-se, igualmente, para fazer face a expectativas sociais ou salvaguardar a saúde física e mental do trabalhador.

Esta regulação emocional, embora entendida como natural, leva frequentemente a situações extremas em que o trabalhador vivência situações percepcionadas como agressivas, decorrentes do permanente esforço de ajustamento entre os seus estados emocionais e a expressão que é exigível ao desempenho da função.

É neste contexto que emergem sintomas identificados como síndrome de "burnout" ou síndrome de exaustão emocional. Por "burnout", termo recentemente integrado na linguagem da gestão de recursos humanos, entende-se o estado de crise entre a pessoa e o trabalho. O fenómeno do "burnout" encontra-se, habitualmente, associado a estados de exaustão, cinismo e menor eficácia .

Embora associado a situações de trabalho emocional, existem ainda várias causas que dão origem a esta síndrome, nomeadamente (i) as características do trabalho, como seja o contacto directo com o cliente; (ii) situações de sobrecarga; (iii) pressão de trabalho; (iv) falha no alcance de expectativas; e (v) características da própria organização, as quais podem ser indutores de sintomas de exaustão.

Por outro lado, também as características individuais como a matriz de personalidade, a experiência profissional e as estratégias face ao "stress" podem potenciar o "burnout".

As consequências deste estado são essencialmente de dois domínios: (i) o individual com quadros depressivos, queixas de carácter psicossomático e insatisfação com o trabalho; e (ii) o organizacional com falta de comprometimento (commitment), elevado absentismo, rotatividade ("turnover"), desmotivação e baixos níveis de desempenho.

Saliente-se que, na relação trabalhador/cliente, a síndrome de "burnout" pode desenvolver-se em consequência das elevadas exigências impostas pelo próprio, pela função ou pelo empregador.

Desta forma, importa ao trabalhador estar alerta para o esforço de ajustamento entre as suas condições pessoais e as exigências emocionais da função.

Tendo presente os malefícios do "burnout", importa ao empregador definir e implementar planos e estratégias de intervenção e revisão continua para o evitar. O empregador deverá atender aos sintomas e às condições de exigência funcional com vista ao desenvolvimento de aprendizagens emocionais baseadas também em experiências de partilha e não só em quadros normativos internos.

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