Opinião
Táxis, impostos e benefícios
Em mais um dia de protesto dos táxis, o tempo perdido no pára-arranca constitui a ocasião ideal para meditar sobre a função útil que o sector tem e as dificuldades que os taxistas atravessam.
As agruras da profissão são bem conhecidas: horas a fio no trânsito, clientes sem dinheiro trocado, horários irregulares e emprego precário, insegurança nas grandes cidades. Não há forma de desvalorizar tudo isto, enquanto dentro do carro ou na plataforma do metro esperamos que passem os efeitos de mais uma jornada de luta.
Mas se conduzir um táxi não é um privilégio, explorar um táxi tem ainda assim alguns benefícios. Na compra de um automóvel para uso como táxi, a lei prevê uma isenção de 70% do imposto sobre veículos, sujeita a condições largamente generosas. O automóvel pode ter até quatro anos de uso e emitir até 160 g/km de CO2, o que abre as portas ao mercado dos usados e permite colocar em circulação veículos com grande quilometragem e níveis de emissões elevados. Uma vez que a importação de usados beneficia à cabeça de uma redução de imposto que chega a 35% para os automóveis com quatro anos, a compra de um veículo nestas condições não sofre mais do que 19,5% do ISV. Isto por si só já seria simpático, mas no caso ainda há mais. Muito excepcionalmente, o IVA suportado na compra de veículo afecto ao serviço de táxi é plenamente dedutível, tal como o é o IVA suportado na compra do gasóleo empregado na actividade. Os táxis estão ainda isentos do pagamento do imposto de circulação, hoje uma factura pesada. E há poucos meses, em resposta aos protestos do sector, o Governo anunciou incentivos à renovação das frotas de táxis e alargou a majoração dos custos incorridos com combustíveis para efeitos de dedução em sede de IRC, entre outras medidas avulsas.
Seguramente que estes não são os únicos benefícios atribuídos à indústria dos táxis nem sequer os mais importantes. Acima de todos está o privilégio de circular em vias reservadas e de dispor de espaços na via pública, recurso cada vez mais escasso. Mas os benefícios fiscais distinguem-se porque acarretam sempre a aplicação de dinheiros públicos e porque não há muitas actividades comerciais com este nível de subsidiação.
Os benefícios fiscais tendem a sobreviver às razões que os fazem nascer. A atribuição de benefícios tão generosos justificava-se até há pouco pelo serviço público que os táxis prestam, aí onde o acesso ao transporte não é universal, e pelo ganho ambiental que a sua utilização traz, prevenindo a injecção de mais veículos particulares nos centros urbanos. Estes níveis de subsidiação fiscal não suscitavam reserva de maior enquanto havia folga orçamental e a indústria dos táxis trabalhava sem concorrência.
Mas as coisas mudaram e não só por causa do défice. A chegada das plataformas electrónicas mostra que existem formas novas de organizar o transporte e que o car-sharing fica agora à distância de um clique para o comum dos cidadãos. Os movimentos pendulares de casa para o trabalho podem agora ser rentabilizados, trazendo a quem o queira um rendimento adicional e a todos os outros um ganho ambiental importante. No plano fiscal, a intermediação das plataformas electrónicas permite que o controlo se concentre sobre um número limitado de empresas e põe termo aos pagamentos em "cash" num sector sempre propenso à evasão. Sim, haverá que assegurar que as plataformas pagam a sua quota-parte, mas isso não é mais difícil do que assegurar o cumprimento das suas obrigações fiscais por milhares de profissionais pagos em dinheiro vivo ou controlar o negócio especulativo da venda das licenças de táxi. Com um bom quadro regulamentar, as virtualidades que estas mudanças têm num país como o nosso são imensas.
Claro está que enquanto os taxistas tiverem a capacidade de parar as cidades é provável que nem todas essas virtualidades se concretizem. Na luta pelos recursos públicos não ganha quem tem razão, ganha quem tem mais força. Durante algum tempo ainda, é provável que os contribuintes continuem a subsidiar a compra de automóveis poluentes para serviço como táxi para mais tarde subsidiarem a sua entrega ao abate, ou que custeiem os gastos dos táxis com combustíveis para os custearem depois outra vez como dedução ao IRC.
É tudo uma questão de tempo. Isto chega lá no pára-arranca.