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Deduções fixas, impostos cegos

Entre as muitas alterações que se projecta fazer ao IRS, há duas que vão além das mexidas do costume. Uma, está na redução das taxas do imposto, que constituiu o móbil político da reforma e o que dela esperava o comum dos cidadãos.

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Outra, está na introdução do quociente familiar e na atribuição de valores fixos às deduções à colecta. 

 

A redução das taxas é questão essencialmente política e orçamental. Antes da crise, o IRS era um imposto fortemente concentrado nos escalões superiores de rendimento, em que se gerava a parcela maior da receita. Com a crise, a pressão fiscal reforçou-se no topo da escala social e desceu à grande classe média, onerada agora com taxas acima dos 30%. Custa a admitir que a actual estrutura de taxas se possa manter, ultrapassada a crise que as justificou.

 

Mas a reforma do IRC teve um custo que não permite grande largueza na redução do IRS, trocámos o desafogo das famílias pelo desagravamento às empresas.

 

A atribuição de valores fixos às deduções à colecta suscita problemas de outra natureza. A mais elementar exigência da Constituição quanto à tributação dos rendimentos está na sua personalização. O IRS não deve assentar em estimativas ou valores-padrão, deve atender aos encargos reais dos contribuintes, seguramente aos mais importantes, os encargos com saúde, educação e habitação. Estas deduções à colecta do IRS podem talvez comprimir-se nos escalões superiores de rendimentos, porque aí tende a dar-se o seu sobreaproveitamento, com forte efeito regressivo. Mas o princípio da igualdade não permite que as eliminemos para a generalidade dos contribuintes, presumindo simplesmente que estes gastam um "tanto-por-cabeça". Afinal de contas, agregados familiares com as mesmas "cabeças" podem suportar encargos muito diferentes.

 

A atribuição de valores fixos às deduções à colecta priva-as por completo da sua função. E a introdução do quociente familiar não as substitui como elemento de personalização do imposto, porque só as deduções à colecta atendem aos gastos reais das famílias. A ir adiante nestes termos,  a reforma do IRS confronta o Tribunal Constitucional com mais um test-case e arrisca projectar na incerteza o mais importante dos nossos impostos.

 

Com certeza que o IRS ficaria mais simples se tributássemos o grosso dos contribuintes por taxas liberatórias e se eliminássemos todo e qualquer acerto no final do ano. Mas, de uma vez por todas, ou se adapta o IRS à Constituição ou se adapta a Constituição ao IRS.

 

Professor da Universidade Católica

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