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13 de Fevereiro de 2007 às 13:59

"Streep tease"

O Estado quer ser como o médico para mandar despir integralmente o contribuinte sem pedir licença. Mas ao contrário do clínico, o Estado tem um censor que vai dizendo, aos poucos e poucos, que peças de roupa podem ser tiradas. E é claro, o paciente vai re

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Na nossa cultura portuguesa dos sete costados, o pudor maior de todos é ser-se rico por fora. Rico só se pode ser por dentro, em sigilo social, só para familiares e íntimos. Os que exibem o dinheiro são novos ricos que é como quem diz ricos por fora e pobres por dentro.

Se a mentalidade portuguesa fosse ao contrário, se a riqueza não fosse um complexo, se o espírito dominante fosse menos jesuíta, o normal seria esperar que a revelação da riqueza de cada qual fosse meritória.

Mas além do pudor sobre o dinheiro, os portugueses têm também um grande temor ao Estado. Centenas de anos de história pesam sobre qualquer país. Sobretudo quando a tradição nacional é escapar o mais possível aos impostos e a tradição do Estado é recolher impostos para financiar disparates.

Acresce ainda que a constituição portuguesa foi montada sobre o medo do Estado autoritário, violador sistemático das liberdades individuais. O legislador definiu fortíssimos princípios de protecção pessoal tendo por base a experiência da ditadura, e os receios do seu regresso, e as violações experimentadas em muitas democracias.

Porém, 33 anos de democracia já passaram. E a informática de agora tem pouco a ver com o que se fazia nos anos 70 e 80. Além disso, a legislação actual, partilhada com o comum dos membros da União Europeia, estabelece princípios equilibrados entre as necessidades do Estado e a protecção dos cidadãos.

Porém, a velha mentalidade persiste. A legislação é lida de acordo com medos e pudores "made in Portugal".

Na sua cruzada pela simplificação administrativa e contra a corrupção, fraude e evasão fiscal, os governos socorrem-se de todos os expedientes para criar uma base de dados unificada das matérias com importância fiscal e esbarram frequentemente na Comissão Nacional de Protecção dos Dados.

De tal forma que, para evitar a oposição da CNPD, o actual Governo fez passar com a aprovação do OE 2007 a autorização legislativa para unir as bases de dados dos seus funcionários às bases de dados do fisco.

Excluída de autoridade sobre a matéria e remetida a emissora de mero parecer, a CNPD vem argumentar que o anteprojecto do Governo contende e contradiz a legislação sobre sigilo fiscal.

E tem razão. De facto, a legislação não permite levantar o sigilo fiscal sem cumprir certos requisitos. Como é possível que a maioria parlamentar tenha acabado de regular o sigilo e o Governo esteja a procurar legislar no sentido da sua violação?

A verdade é que o poder político passa rasteiras a si próprio porque sofre dos mesmos complexos e pudores que o velho País e não é capaz de mudar de paradigma.

De facto, Portugal já gastou demasiado tempo a discutir e a refazer, para deixar quase na mesma, a legislação sobre sigilo fiscal. O problema não está na lei, mas nos legisladores.

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