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22 de Maio de 2003 às 16:30

Sérgio Figueiredo: «A suspeita de sempre»

Quando Ferreira Leite surgiu determinada, toda a gente acreditou que este jogo de "mentirinha" chegara ao fim. O problema é quando, entre várias trapalhadas passadas, surge a suspeita de sempre.

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A história recente das nossas finanças públicas está marcada por um ritual desagradável: a sacudidela capote.

E este ritual anda de braço dado com a mesma acusação de sempre: a desorçamentação.

Traduzido para uma linguagem prosaica, aquilo que os nossos sucessivos governantes andam permanentemente a fazer é acusarem-se uns aos outros de enganarem os portugueses.

Quem não se lembra dos "buracos" que o doutor Jorge Coelho encontrou no Orçamento, quando o PS subiu ao poder em finais de 1995? E quem podia esquecer a afirmação actual ministra das Finanças, na última alternância democrática de 2002, de ter encontrado "uma situação muito pior que esperava"? Mudar de Governo é um exercício saudável para o regime. Mas o espectáculo que ele proporciona, em matéria de responsabilização orçamental, tem-se tornado demasiado perverso para a democracia e chocante para cidadão comum.

Se o professor Sousa Franco classifica de “crime financeiro” a possível integração do fundo de pensões dos CTT na receita orçamental deste ano, então que nome lhe devemos chamar, sabendo que o ex-ministro das Finanças de Guterres fez rigorosamente a mesma coisa com o fundo pensões do BNU?

Se a doutora Manuela Arcanjo considera que a “empresarialização [dos hospitais] é a maior operação de desorçamentação feita no Serviço Nacional de Saúde”, então devemos prestar-lhe muita atenção, porque ela sabe certamente do que fala.

Não só porque foi ministra da Saúde, mas sobretudo por ter antes desempenhado as funções de secretária de Estado do Orçamento.

Mas, já agora, convém lembrar o famoso "esquema Partest", onde a ex-governante socialista teve no mínimo um papel passivo, e através do qual o Governo socialista utilizou abusivamente aquela "holding" instrumental do Estado, para registar como receita corrente milhões e milhões de euros que deveriam ter apenas e só reduzido a dívida pública.

Quando a doutora Ferreira Leite surgiu determinada na revelação da verdade orçamental, toda a gente acreditou que chegara ao fim este jogo de “mentirinha”.

E que os ataques de amnésia dos governantes já idos, por muito condenáveis, eram irrelevantes. Por serem inconsequentes. O problema é quando, entre várias trapalhadas passadas, emerge uma nova verdade. Ou a suspeita de sempre. Ou outra desorçamentação. Uma nova mentira orçamental.

Há várias semanas que o Jornal de Negócios tenta esclarecer junto do Governo o mistério no saldo do Serviço Nacional de Saúde.

Há semanas que procuramos saber o reflexo orçamental da criação dos 31 hospitais-empresa.

Porque há semanas indagamos se as dotações para o capital social desses Hospitais, SA são utilizadas para financiar despesa corrente.

Não é imediata a percepção do significado real desta prática. Mas, se ela efectivamente existe, quer dizer que aquilo que sempre foi uma transferência corrente (aumentando o défice), passou a chamar-se endividamento (com impacto na dívida pública). É uma suspeita grave, que carece de um rápido esclarecimento.

Para que o país entenda. Para que Bruxelas não tenha que corrigir.

Por Sérgio Figueiredo, director do Jornal de Negócios

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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