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07 de Novembro de 2016 às 10:18

Ser ou não ser pela gestão ativa, eis a questão

No mundo dos investimentos cerca de 70% dos professores de finanças nas universidades dos EUA e vozes respeitáveis do sector advogam as virtudes de ser passivo.

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Em praticamente todas as sociedades humanas, ser ativo, ser dinâmico - sempre foi característica assaz valorizada. Em contraste, ser passivo, fugir a desafios, nunca foi atitude socialmente benquista, e de tal é exemplo entre nós o simbolismo negativo do Velho do Restelo.

Adeptos ilustres da gestão passiva

Mas no mundo dos investimentos cerca de 70% dos professores de Finanças nas universidades dos EUA e vozes respeitáveis do setor (como o venerável John Bogle, fundador da maior gestora de fundos de investimento) advogam as virtudes de ser passivo. Aliás em sintonia com o que aconselha a realidade de, recentemente, mais de 97% dos praticantes da chamada Gestão Ativa (GA) não terem conseguido bater o que uma mera Gestão Passiva (GP), baseada em investimento em índices de mercado, obteve… com menos custos, menos esforços, menos impostos e menos stress!
Não obstante, mais de… 70% dos ativos mundiais sob gestão estão entregues à GA! O que explica tal paradoxo? Possivelmente duas razões:

Autoconfiança: qualidade na vida, defeito na bolsa

Por um lado, poderá ser expressão de um desfasamento entre uma natureza humana moldada por uma luta pela sobrevivência ao longo de milhões de anos (e privilegiando a autoconfiança como fator de sucesso) e o que seria um ideal de racionalidade não emocional "à Descartes" para atuação em bolsa.

De facto, a GA não deixa de oferecer a possibilidade (tal como os jogos de casino ou o euromilhões) de grandes ganhos ou de uma relativamente pequena perda. Feitas as contas, a esperança média de ganho é negativa em relação à GP (cerca de -2%). Mas, mais de 80% dos investidores sobrestimam as suas capacidades considerando-se autoconfiadamente superiores aos 50% da mediana e esperando que… os ganhos sejam para si e as perdas para os outros! Ora tal, em sistemas altamente não lineares como o são os mercados de capitais (e que amplificam enormemente qualquer pequeno enviesamento), penaliza desproporcionadamente as performances obtidas.

Por outro lado, sendo as comissões na GA cerca de 5 a 10 vezes superiores às cobradas na GP, e muito mais suscetíveis de discricionariedade relativamente aos custos incorridos ou presumidos, as gestoras de ativos não deixam de ter um particular incentivo em promoverem a GA.
Assim, são muitas as vozes preconizando, em nome do "bem comum" o desincentivo fiscal da GA, principalmente se o nível de literacia financeira de quem investe for baixo.

Ascensão irresistível da gestão passiva

Tal poderia não deixar de ser realisticamente benéfico para a maioria dos investidores. Mas certo é que os investidores são infelizmente entre nós, cada vez menos em número, e cada vez mais uma minoria, e o que pode ser o seu "bem comum", pode não ser necessariamente o da sociedade em geral.

E, de facto, a GA e a sua inerente ambição de lucro não deixam de ter utilidade social, levando aqueles que a praticam voluntariamente com o objetivo de ganhos supranormais a concretizarem involuntariamente "trabalho social" empurrando as cotações, qual "mão invisível" de Adam Smith, para valores que refletem as preferências da sociedade, e induzem em consonância uma alocação ótima de capital.

Imortalidade da gestão ativa
Não há, pois, pretexto para uma fiscal "condenação à morte" da GA. Mas quem fala pelos investidores? Na verdade, é lógica a pergunta: Com o exacerbar da concorrência, tornando cada vez mais difícil manter a rendibilidade das estratégias conhecidas ou novas (taxa de sucesso na criação de novas estratégias, através de programação genética, é de 1 para mais de 50.000 insucessos!); com o aumento do volume de capitais buscando rendibilização; com o estreitar do espetro de oportunidades - não se chegará a um ponto em que a GA deixará de ser rendível, não só para a maioria dos investidores (como desde sempre em média aconteceu), mas também para a minoria de menos de 3%, que ainda hoje dela beneficia?

Não necessariamente! Isto em decorrência da irresistível ascensão do investimento institucional, hoje já na posse de mais de 70% das ações cotadas, em contraste com os 24% de há 30 anos.

De facto, os institucionais respondem perante clientes que neles confiaram. Ora, embora a presumível competência dos primeiros lhes leve a reconhecer que é preciso dar tempo ao tempo para obter resultados significativos, os segundos, que estão logicamente impacientes para verem confirmada a sua confiança, pressionam e querem rapidamente ver bons resultados para crerem, como S.Tomé (Vayanos,2012). Tal gera ciclos de sobre/subvalorização nos perto de 500 fatores já identificados como condicionantes das performances, o que proporciona à GA inexaurível campo de atuação (Hsu, 2015).

O que faz o sucesso na gestão ativa

Em conclusão: a sociedade tem todo interesse em que a GA sobreviva, e a GA pode sobreviver em determinadas escalas de implementação. Isto em mercados que perseguem "ad aeternum" uma utópica perfeição, sem nunca a alcançarem como o Escorpião a Órion. De tal deu exemplo o Nobel Samuelson, apóstolo eloquente do "evangelho" da suprema perfeição dos mercados, e portanto da inviabilidade da GA, mas discreto milionário por via do sucesso de uma sua empresa de… GA !.

E ainda hoje alguns investidores, mais humildes na sua autoavaliação, mais criativos na conceção de estratégias, mais hábeis em táticas de implementação, mais resilientes ao enfrentarem inevitáveis períodos de perdas (como no passado Keynes, Graham e hoje Buffett, Soros e… a fundação da Universidade de Yale, que atribui 80% dos seus notáveis resultados à GA, e apenas 20% à alocação de ativos!) poderão extrair útil benefício da GA (simples ou sinergicamente combinada com uma GP apoiada em ETF e procurando aproveitar o melhor de dois mundos evitando o pior).

Mas CUIDADO: se é verdade que "quem não arrisca não petisca", parafraseando a sabedoria popular também se poderá dizer com propriedade em relação à GA, e não olvidando traumáticos casos recentes, que… na bolsa a segurança morreu de velha e a prudência ainda lhe foi ao enterro! 


Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.


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