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Opinião
26 de Abril de 2017 às 13:10

Revolução na gestão de ativos

Tal como na história dos Homens, as crises são amiúde fatores determinantes da alteração de "status quo" operacionais, e indutoras de respostas à esteira de sofrimento e frustração que deixam.

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A Gestão de Ativos (GA) ruma a uma autêntica "revolução":

- Para benefício de quem mais importa, os investidores;

 

- Para realização dos que a servem, servindo os investidores;

 

- Para merecida liderança das organizações que a implementam com rigor e a desenvolvem com dinamismo;

 

- Para disciplina dos que apenas dela se servem como parasitas.

 

Uma "revolução" em três níveis: 1) captura de rendibilidades; 2) redução de custos; 3) progresso "big bang" na proteção dos investidores.

 

1- Descer às origens das rendibilidades

 

A GA sempre até hoje correspondeu à sua designação, ou seja, sempre tomou por matéria-prima "ativos" oferecendo prémios de risco a quem neles investia passivamente, ou a expetativa de mais-valias a quem intentava dinamicamente corrigir as suas assincronias ("mispricings") de valorização relativamente aos critérios conjunturais do mercado.

 

Para conquistar retornos, a GA baseava-se, pois, numa matéria-prima intermédia, os "ativos", a que eram aplicadas estratégias no desiderato de extrair daqueles um máximo de utilidade (rendibilidades), com um mínimo de improbabilidade (risco) de insucesso. Sempre foi assim desde os primórdios da GA, no tempo dos sumérios, das referências de Salomão na Bíblia, das práticas dos banqueiros florentinos, ou de grandes investidores contemporâneos(1) como Warren Buffett, George Soros e outros.

 

No entanto, e tal como na história dos Homens, as crises são amiúde fatores determinantes da alteração de "status quo" operacionais, e indutoras de respostas à esteira de sofrimento e frustração que deixam.

 

Tal ocorreu com a grande depressão de 1929 e a correlativa hiper-reação regulamentar. E assim está a ser com a grande recessão de 2008 e as suas dramáticas repercussões em patrimónios que já pareciam contrariar a sabedoria da bolsa de que "as árvores não crescem até ao céu", como foi o caso do maior fundo soberano do mundo, do país (Noruega) à cabeça do índice mundial de qualidade de vida.

 

Aquele fundo tinha sido prudentemente alimentado por receitas de petróleo, e sabiamente gerido por uma plêiade de profissionais entre os quais se incluíam como consultores figuras prestigiadas do mundo académico. E foi exatamente desses consultores, especificamente do prof. Andrew Ang (na altura da Universidade de Colômbia, hoje quadro superior da BlackRock), que veio explícita sugestão para uma radical mudança do que até há bem pouco tinha sido prática corrente. Na verdade, sendo um objetivo último da GA a captação de rendibilidades, então porque não ir captá-las diretamente às origens, sem desvio e erosão por "intermediários"?

 



Comparando metaforicamente a captação de rendibilidades na GA à captação de elementos nutritivos na alimentação, tratar-se-ia neste último caso de ingerir direta e especificamente e nas proporções e quantidades absolutas ótimas, os elementos nutrientes mais valiosos e/ou indispensáveis. Conseguir-se-ia assim um máximo de eficácia com um mínimo de desperdício.

 

Potenciar o "efeito carteira"

 

Faz sentido, pois também "nem tudo o que luz é ouro" nos diferentes ativos utilizados na GA, integrando os mesmos inevitavelmente "fatores" inúteis, quando não prejudiciais. Essa é uma das razões justificando uma descida à pureza das fontes.

 

Mas, quiçá ainda mais relevante, será a oportunidade para alavancar e reforçar significativamente a oferta de propostas de valor pela via (por si só justificativa da GA) alicerçada na extração de efeitos de amálgama sinergética ("à Markowitz"(2) ou segundo recentes e inovadoras metodologias), a partir de uma gestão coordenada de carteira.

 

2-Inovar na redução de custos

 

Uma das primeiras grandes evoluções/revoluções em matéria de GA terá tido que ver com uma espetacular redução de custos de transação, numa escala da ordem de grandeza.

 

Por ora, outra limitada oportunidade de redução de custos poderá estar no horizonte e… em Portugal (!), no caso, na vertente dos processos de "back office".

 

De facto, sob égide da associação dos fundos de investimento (APFIPP), do IST(3) e da Deloitte, está a ser desenvolvida em boa hora um protótipo de plataforma de distribuição de fundos de investimento, baseada na inovadora tecnologia "blockchain", decorrente do desenvolvimento da moeda "bitcoin".

 

Será ainda prematuro deitar foguetes e embandeirar em arco falando só por tal em esperança de uma revolução ao nível global da GA. Mas, pelo menos ao nível de pesados, rotineiros e onerosos departamentos de "back office", poderá não ser excessivo fazê-lo: pelas potencialidades de iniciativa que surgem como sopro de dinamismo e criatividade e, principalmente porque apontam um rumo para o desenvolvimento de uma GA de raiz nacional, capaz porventura de estancar ou mitigar uma dolorosa fuga de cérebros; de estimular tão necessariamente quem poupa; de apoiar tão oportunamente quem investe; de difundir nos países de língua portuguesa um "know-how" com significativas propostas de valor de raiz portuguesa.

 

3- Proteger o investidor: "big bang" regulamentar

 

Por lei e em sintonia com maviosos cantos de sereia do tipo "os clientes são a nossa paixão", os interesses dos investidores devem sempre prevalecer sobre os de quem os toma como pontos alfa e/ou ómega da sua atividade comercial ou ambições profissionais.

 

 Mas "a carne é fraca" e muitas vezes "bem prega frei Tomaz, fazei o que ele diz, mas não o que ele faz".

 

 E, se tal é assim na generalidade, mais o é na especificidade de regimes objetivamente de oligopólio, como os que ocorrem com a GA na Europa.

 

 De facto, há situações tais como:

 

- Cobrança de comissões sem qualquer relação com os custos incorridos (que inclusive amiúde se ignora em pormenor quais sejam!), e quiçá justificadas por preocupações em maquilhar gritantes ineficiências, ocultar parasitismos perenes ou suportar rendibilidades aos capitais próprios regulamentares da ordem das centenas por cento (em contraste com as migalhas distribuídas, quando o são, aos investidores);

 

- Abdicação em divulgar riscos que, sob capa e pretexto de defesa de pretensos segredos do ofício, podem vir a ter mais tarde não só calamitosas e dolorosas consequências para quem os desconhece(4), mas, quiçá principalmente, contribuir para a criação de uma hipersensibilidade a flutuações naturais de cotações induzindo saídas precipitadas, com a consequência de os investidores acabarem por ter, em média, muito piores resultados que os auferidos, também em média, pelos fundos em que investem(5);  

 

- Casos de "closet funds", em que são cobradas onerosas comissões próprias de uma gestão supostamente ativa, conduzida por profissionais supostamente remunerados ao nível do que pagam os competidores de qualidade mínima exercendo aquele tipo de gestão, quando na realidade é levada a cabo uma gestão passiva ou quase passiva, com estremada avareza de gastos (o equivalente a exigir aos sócios de uma equipa de futebol quotas para suportar uma equipa de 1.ª divisão e depois pagar aos jogadores remunerações ao nível de uma 3.ª distrital).

 

Enfim, há risco de abusos aconselhando porventura um autêntico "big bang" regulamentar, e o "aggiornamento" de serviços hoje sem grande motivação para fazer muito mais do que cómodos papéis de um Pôncio Pilatos"(6) (que lava as mãos de responsabilidades e não se mete em trabalhos por "fazer ondas" e/ou "remar contra a maré", e a quem tão-só são exigidas ações essencialmente para "inglês ver"(7)).

 

Fundos de investimento: os depósitos do século XXI?

 

E de facto em boa-hora virá aí, no princípio do próximo ano, um "big bang" regulamentar – o Mifid II.

 

Vai trazer seguramente, como diria S. Mateus, "pranto e ranger de dentes", pois é gerador de apreciável trabalho e perturbador de muita inércia e de múltiplos e anquilosados interesses instalados (vg. independência dos gestores de GA relativamente aos comercializadores; abertura das redes comerciais a fundos de terceiros quebrando um monopólio da venda de fundos caseiros protegidos de salutar e estimulante concorrência etc.).

 

Serão medidas obviamente onerosas (mais de 2.1 B de €, só de preparação em 2017!(8), para os que de facto se estão a preparar a sério), e inicialmente um choque e autêntico "duche frio" para quem no setor está parasitariamente habituado a ambientes em que a competência e os resultados não são as precípuas prioridades. Mas, a prazo, poderá ser quiçá a oportunidade de uma melhor GA, e a esperança para um renascer de uma autêntica fénix e concretização do que vozes autorizadas profetizavam nos finais do século passado:

 

"Os fundos de investimento serão os depósitos do século XXI"

 

Que de facto assim seja:

1 -Se for para bem de quem poupa, de quem investe, do país e das instituições que o servem laboriosa e honestamente no campo da GA;

 

2 -Se for para bem ("last but not least") do futuro daquele escol de profissionais portugueses da GA que à mesma dão o melhor da sua seriedade, competência, energia e criatividade.



















 

Nota: Os pontos de vista expressos são da inteira responsabilidade do autor não
comprometendo as organizações do Grupo CGD a que esteve ligado: Caixagest, como consultor, Investil, como Diretor Geral.

(1)E grandes referências na GA, em primeiro lugar, por serem o quiçá mais relevante naqueles que, como Camões dizia, "da lei da morte se vão libertando ": exemplares cidadãos (para além de ultragenerosos filantropos, dos que serão recordados por concretizarem da mais nobre forma o objetivo de "Make America Great Again"…)

(2)Nobel 1990

(3)Que parece ter voltado ao dinamismo e criatividade que no passado soube insuflar aos seus alunos, e, no espírito de servir a comunidade, aos seus docentes.

(4)Recorde-se o BES, o BPN, o BPP e o BANIF, e tenha-se a esperança de que ainda outros não se venham mais tarde também a recordar.

(5)Quantitative Analysis of Investor Behavior-DALBAR 2017 Report.

(6)É impossível olvidar a "crucificação" dos investidores no aumento de capital do BES, e bem se compreende a fixação de meta do Sr. ministro das Finanças à CMVM, para um incremento da proteção a investidores, que possivelmente bem gostariam de ajudar o país investindo em Portugal, mas que acabam por encarar e ir procurar alhures alternativas em que se sentem menos penalizados fiscalmente e melhor defendidos legalmente.

(7)Ou hoje, com mais propriedade, para "Bruxelas ver".

(8)Fund Management, Financial Times-27/1/2017.

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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