Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Andrés Velasco - Economista 08 de Setembro de 2011 às 12:24

Sem medo das obrigações europeias

O dia das obrigações europeias pode estar próximo. Aquela que foi considerada uma ideia de charlatães para resolver a crise financeira da Europa é agora a única forma fidedigna de salvar o euro.

O dia das obrigações europeias pode estar próximo. Aquela que foi considerada uma ideia de charlatães para resolver a crise financeira da Europa é agora a única forma fidedigna de salvar o euro. A compra de obrigações pelo Banco Central Europeu (BCE) não impediu que a Grécia, a Irlanda e Portugal fossem resgatados. Da mesma forma, também não vai salvar nem a Espanha nem a Itália.

Mas a Espanha e a Itália são grandes demais para serem resgatadas. O novo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) não está à altura da tarefa. Para que o FEEF seja alargado até ter a dimensão apropriada, é necessária uma muito maior quantidade de empréstimos por parte da França. Algo que pode muito bem colocá-la como alvo de um ataque especulativo.

É aqui que entram as obrigações europeias. Os cinco países em dificuldades precisam de colocar dezenas de milhares de milhões em nova dívida e renegociar ainda maiores quantidades de dívida já emitida. Os mercados há muito que deixaram de adquirir obrigações emitidas pela Grécia, Irlanda e Portugal. E, em breve, podem deixar de fazê-lo a títulos de Itália e de Espanha – ou apenas comprando-os através de taxas de juro excessivas. Contudo, pelo contrário, os mercados iriam devorar obrigações apoiadas pela fé e pela credibilidade de toda a Zona Euro.

As obrigações europeias iriam reduzir os custos de financiamento para os dois maiores membros da União Europeia em dificuldades. E iriam evitar que os contribuintes alemães e de outras nações solventes do norte da região tenham de financiar outro resgate a um estado-membro do sul.

A discussão sobre a oportunidade e o modo de introduzir as obrigações europeias tem-se centrado nos limites apropriados para as suas emissões. Sem limites, os países mais gastadores podem seguir uma febre de gastos à custa das nações mais cautelosas. Depois do euro, os membros do Mediterrâneo verificaram uma explosão do crédito, aproveitando-se das baixas taxas de juro da Alemanha. Há, por isso, uma relutância compreensível em permitir que tal aconteça novamente.

Mas os argumentos sobre se o tecto deverá ser de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), ou ainda mais, deixam escapar um pormenor mais importante. Dezanove anos de experiência com o Tratado de Maastricht, que criou tanto a União Europeia como a Zona Euro, mostraram, de forma convincente, que tais limites não são exequíveis. Os países com maior influência para ultrapassar os limites vão fazê-lo todas as vezes que isso for politicamente conveniente. E, caso se aproxime uma crise da dívida, vão ser concedidas excepções, vão ser admitidas isenções e vão alinhar-se novos compradores para adquirir a dívida adicional.

Portanto, a questão não é o que fazer quando a dívida se aproximar do limite, seja ele elevado ou baixo. É, sim, como impedir que a dívida se aproxime desse limite, excepto em circunstâncias muito extremas e excepcionais. Para isso, precisamos de regras orçamentais.

Uma regra orçamental é qualquer mecanismo predefinido que impede a despesa ou o défice. De acordo com um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), oitenta países em todo o mundo utilizam uma determinada forma de regra orçamental.

Mas as regras orçamentais não são todas iguais. Se forem demasiado vagas, são meramente decorativas. Se forem demasiado apertadas – uma emenda constitucional a exigir um orçamento equilibrado, por exemplo –, podem criar problemas em vez de solucioná-los: Pensem no caos económico e político que pode advir se a Espanha, com uma taxa de desemprego de 21%, for forçada a eliminar o seu enorme défice orçamental do dia para a noite.

A Suécia e o Chile estão quase em pólos opostos geograficamente, mas ambos têm usado, com sucesso, regras orçamentais sofisticadas. O Chile fixa uma meta para o seu saldo orçamental corrigido de variações cíclicas– ou seja, o saldo que se consegue depois de contabilizados os desvios nos preços das matérias-primas e na produção nacional em relação às suas orientações gerais.

Quando os preços das matérias-primas dispararam, em meados da última década, a regra apelava a grandes excedentes orçamentais – o que o Chile realmente alcançou, reembolsando quase toda a sua dívida pública e acumulando um fundo considerável para alguma eventualidade. Quando chegou a crise financeira, o Chile conseguiu lançar estímulos orçamentais agressivos sem causar sobressaltos nos mercados financeiros.

Claro que uma norma orçamental não acautela todas as contingências. É por isso que é necessário um conselho orçamental independente para a administrar, assim como é preciso um banco central independente para seguir uma regra monetária para as metas de inflação. Um entendimento para a composição de tal conselho seria difícil, mas não tão difícil quanto acordar a composição do conselho de administração do Banco Central Europeu.

Obrigações europeias mais regras orçamentais: esta fórmula é a melhor esperança para a salvação do euro. Infelizmente, poderão ser necessárias mais uma ou duas crises para que os líderes europeus a considerem seriamente.


Andrés Velasco é um antigo ministro das Finanças do Chile.


Copyright: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org


Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio