Opinião
O alívio da dívida na Europa
Há muito que a Europa é ameaçada por duas crises. A primeira explodiu com um ataque especulativo bem-sucedido aos títulos de dívida pública de vários países da Zona Euro, pondo de imediato em perigo a sobrevivência da moeda única. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, prometeu fazer "tudo o que fosse necessário" para evitar um incumprimento soberano na Zona Euro e parece que esse risco diminui – pelo menos por agora.
Outro perigo iminente é o crescimento da crise – uma ameaça que se tornou cada vez mais séria. As previsões macroeconómicas mais recentes do BCE, que revêem em baixa as previsões de crescimento do PIB quer para 2012 quer para 2013, fazem com que a ameaça seja bem clara: a Zona Euro vai certamente contrair-se neste ano e crescer apenas 0,3%, na melhor das hipóteses, no próximo.
A Europa não tem alcançado as suas metas de crescimento porque os políticos europeus persistentemente têm subestimado os multiplicadores orçamentais, e tem seguido pelo caminho da austeridade. E um crescimento menor significa receitas menores, o que implica défices maiores e encargos com a dívida mais elevados – ao ponto de, como Wolfgang Münchau do Financial Times e outros sublinharam, todo o exercício de apertar o cinto começar a parecer contraproducente.
Tudo isto é muito preocupante. Mas as coisas podem piorar. O problema não é apenas o abrandamento do crescimento fazer aumentar os níveis da dívida. É o facto de ser cada vez mais plausível que o excesso de dívida se esteja a tornar a causa do fraco crescimento.
Poucas pessoas querem ir por esse caminho, porque isso conduz directamente à questão do perdão de dívida. Mas a questão não pode continuar a ser ignorada – e não apenas no caso da Grécia.
O conceito do endividamento excessivo é uma questão que há muito está presente mas que se tornou mais saliente durante a crise de dívida na América Latina, na década de 1980. Tal como muitos aspectos dessa crise, é aplicável à situação actual da Europa.
Um excesso de dívida existe quando a dívida de um país é tão grande que os benefícios do ajustamento e do crescimento vão na totalidade para os seus credores. Tal como o prémio Nobel da economia, Paul Krugman, destacou há 25 anos, um país nesta situação vai estar pouco disponível para empreender mais medidas de ajustamento dolorosas porque não vai receber qualquer retorno. E, porque os lucros de qualquer novo investimento vão servir para pagar as obrigações existentes, o excesso de dívida desencoraja o investimento privado e o crescimento.
Se o desânimo for muito grande, os elevados encargos com a dívida podem fazer com que a capacidade do país pagar diminua. E isto dá origem à curva de Laffer para o alívio da dívida. Para os níveis de dívida baixos, aumentar os encargos com a dívida aumenta o fluxo de pagamentos aos credores; mas esta relação é revertida quando o volume de dívida atinge determinado valor. Reduzir o valor nominal da dívida é bom não apenas para os países devedores que estão no "lado errado" da curva; é também bom para os credores que podem obter mais do seu dinheiro de volta.
Mas enquanto esta construção teórica simples clarifica o problema, perceber o ponto em que um país atinge a curva de Laffer para alívio da dívida não é fácil. Muitas teses de doutoramento foram escritas sobre esta questão durante a crise da dívida da América Latina, na década de 1980.
Em retrospectiva, duas coisas parecem claras. Em primeiro lugar, os países da América Latina não começaram a crescer até que a dívida tenha sido reduzida de forma sustentável através de várias iniciativas – sendo a mais importante o plano Brady, de 1989, no qual os países da América Latina implementaram reformas em troca de um alívio na dívida. Em segundo lugar, os credores que ficaram – trocando as obrigações que detinham por novos títulos de dívida Brady ou por títulos locais – tipicamente fizeram muito bem.
Os cépticos vão responder que a Europa não é a América Latina e que as taxas de juro cobradas aos governos europeus hoje são muito mais baixas do que as então cobradas à Argentina ou ao México. Talvez. Mas, muitos países europeus estão mais endividados que os países da América Latina estavam na altura.
A dívida pública da França atingiu os 90% do PIB e continua a crescer, e cinco países europeus têm um rácio de dívida pública sobre o PIB acima dos 100%. Os países da América Latina tiveram de procurar uma redução da dívida quando os seus encargos eram mais pequenos. E o recente pico nas taxas de juro do governo italiano devia relembrar aos optimistas que, com uma dívida soberana tão elevada, muitas coisas podem correr mal a qualquer momento.
Cada vez mais europeus estão a começar a aceitar que a Grécia vai precisar de uma nova redução de dívida e, desta vez, os credores oficiais deverão participar. Mas pouco europeus acreditam hoje que Itália, Espanha, Portugal e muito menos a França, vão precisar de uma redução de dívida. Dê-lhes tempo. Não foi assim há tanto tempo que poucos europeus conseguiam imaginar uma crise do euro.
Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é professor convidado da Universidade de Columbia.
Copyright: Project Syndicate, 2012.
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Tradução: Ana Laranjeiro