Opinião
Transição de regime monetário no mundo emergente
As metas de inflação – a regra que a maioria dos bancos centrais do mundo (excepto a Reserva Federal dos Estados Unidos) utiliza para fixar as taxas de juro – estão a dar as últimas? Muitos analistas acreditam que sim.
Mark Carney, actual governador do Banco do Canadá, ainda não assumiu o seu novo cargo ao comando do Banco de Inglaterra, mas já anunciou que deverão haver alterações na política da instituição. No Japão, o Partido Liberal Democrata venceu as eleições gerais de Dezembro depois de ter prometido uma política monetária mais expansionista. E nos Estados Unidos, a Reserva Federal anunciou que manterá os juros baixos até que o desemprego atinja os 6,5%.
Nada disto é tão novo quanto parece. Entre os países ricos, as metas de inflação têm vindo a debilitar-se. As compras de activos em grande escala efectuadas pelo Banco Central Europeu, por exemplo, têm pouco a ver com qualquer definição de uma política de metas de inflação.
As metas de inflação têm vindo a perder o seu valor junto dos responsáveis políticos nas economias emergentes. Nos anos 90, os bancos centrais do Brasil, Chile, México, Colômbia, Peru, África do Sul, Coreia do Sul, Indonésia, Tailândia e Turquia adoptaram variações do regime. Mas as coisas mudaram com a crise financeira global. Numa pesquisa conjunta com Roberto Chang e Luis Felipe Céspedes, mostramos que todos os bancos centrais da América Latina que seguem metas de inflação têm utilizado uma série de ferramentas de política não convencionais, incluindo intervenções no mercado de divisas e mudanças nos requisitos de reservas. Novamente, isso está muito longe da definição de manual de metas de inflação.
O que se segue? No mundo desenvolvido, a alternativa com maior probabilidade de destronar as metas de inflação é outra meta: a do Produto Interno Bruto (PIB) nominal. Esta parece ser a ideia de Carney para o Reino Unido. Segundo o novo sistema proposto, se o Banco de Inglaterra deseja manter a inflação em torno dos 2%, e espera que o crescimento do PIB seja de 3%, deve anunciar uma meta de crescimento nominal do PIB de 5%.
Este novo regime pode ajudar os bancos centrais dos países ricos a manter as suas economias devidamente estimuladas. Mas, do ponto de vista dos países emergentes, a alteração do regime de política monetária nessa direcção não faz muito sentido. Os bancos centrais da Ásia e América Latina tiveram, desde o início, três problemas com as metas de inflação. Passar para as metas do PIB nominal não resolve nenhum deles.
O primeiro dos problemas está relacionado com as entradas de capital e a apreciação da taxa de câmbio. Quando os bancos centrais dos países ricos reduzem as taxas de juro, o capital move-se para o sul e leste. Uma entrada de capitais moderada é sempre bem-vinda. Mas quando o fluxo se torna numa enchente, a moeda valoriza bruscamente. As exportações de matérias-primas, em geral, continuam a crescer, mas as exportações industriais sofrem as consequências.
O aumento das taxas de juro só atrai mais capital, enquanto um corte das taxas pode levar a economia, já estimulada pela entrada de capitais estrangeiros, a sobreaquecer. Diante desse dilema, muitos países emergentes recorreram a intervenções no mercado cambial e, em seguida, ao aumento das exigências de reserva dos bancos, para que o endividamento no estrangeiro se tornasse menos atractivo.
Este é um problema que diz respeito à composição do produto (exportações tradicionais e não-tradicionais), e não apenas ao seu nível. Passar para as metas do PIB nominal não iria fazer diferença.
O segundo problema é compartilhado pelos bancos centrais dos países de rendimento médio e elevado: como assegurar que a política monetária mantém a estabilidade financeira. As metas de inflação relacionam-se com os preços dos bens e serviços, e não com os preços dos activos financeiros. Se a “exuberância irracional” se instala e se desenvolve uma bolha nos mercados imobiliários ou de acções, a resposta da teoria ortodoxa é: a vida é assim.
Após a devastação causada pelo ciclo de expansão e recessão dos últimos anos, não são muitos os economistas que estão confortáveis com a atitude de “então que seja”. Também não se sentem confortáveis muitos bancos centrais de países emergentes, que estão a adoptar mudanças nos requisitos de reservas, entre outras medidas, para picar as bolhas de preços de activos nos seus estágios iniciais.
Os defensores das metas do PIB nominal afirmam que estas medidas prudenciais poderiam agregar-se para criar uma versão ampliada do seu regime preferencial. É possível, mas também poderiam agregar-se ao regime tradicional de metas de inflação. Passar de um sistema para o outro não ajuda muito a este respeito.
O último problema diz respeito ao papel dos bancos centrais como emprestadores de último recurso durante uma crise. Este trabalho é especialmente importante - e difícil - em mercados emergentes, porque uma parte significativa da dívida, tanto pública como privada, é tipicamente em moeda estrangeira. Assim, o papel de emprestador de último recurso em situações de crise implica o recurso a reservas internacionais e ao fornecimento de liquidez em moeda estrangeira. Isto também é estranho ao sistema de metas de inflação e de flutuação cambial. Mas seria igualmente estranho a um sistema no qual o banco central fixasse metas do PIB nominal com um tipo de câmbio flutuante.
Estas considerações sugerem que a saída não está em passar de um sistema simples e universal para outro. Os mercados emergentes precisam de um sistema de política monetária que considere, explicitamente, a volatilidade dos fluxos de capital, os desajustes nos preços dos activos (incluindo a taxa de câmbio, que é o preço da moeda estrangeira) e a instabilidade financeira resultante.
A influência desses factores nas taxas de juro provavelmente não deve ser a mesma em tempos tranquilos e turbulentos. Um regime integral deveria incluir duas regras – uma para situações de crise e uma para “o resto do tempo” – além de orientações explícitas para passar de uma para a outra.
Ainda estamos longe de poder formular e aplicar este tipo de regras. Mas, pelo menos, o debate já começou. E o debate está aberto.
Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é professor convidado da Universidade de Columbia.