Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Andrés Velasco - Economista 27 de Março de 2013 às 08:35

Uma história de dois países

Há cerca de dois anos, o rápido crescimento económico do Brasil e a expansão da sua classe média converteram o Brasil no menino querido dos mercados financeiros, enquanto o México era mais conhecido pelo tráfico de droga e pela violência. Devido ao seu crescimento lento e à paralisação das reformas económicas, os mercados financeiros estavam a ponto de declarar o México uma causa perdida.

Como a reputação dos países pode mudar tão rapidamente. Actualmente, a economia brasileira está estagnada, e nenhum investimento em infra-estruturas para o Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos parece suficiente para salvá-la. A economia mexicana, por outro lado, está a crescer a um ritmo constante, impulsionada pelo aumento das exportações industriais para os Estados Unidos.

 

Assim, o Brasil tornou-se a estrela que decepciona, enquanto o México é o país menosprezado que, de repente, brilha. O que está a acontecer?

 

Para começar, o comportamento dos mercados financeiros diz mais sobre eles do que sobre os países em questão. Como os analistas se concentram mais nos números de curto prazo do que em tendências estruturais, não é surpreendente que os mercados financeiros muitas vezes não consigam compreender a história real.

 

Dito isto, há diferenças importantes na forma como o Brasil e o México geriram as suas economias. E esses contrastes sugerem lições úteis para outros países emergentes.

 

Uma das diferenças é que a economia do México é muito mais aberta do que a do Brasil. O México não só faz parte do Tratado de Livre Comércio da América do Norte e Canadá, como também participa numa rede de outros acordos que se estendem pela Europa e Ásia. A abertura do Brasil, pelo contrário, é limitada pelas restrições do Mercosul, um agrupamento regional cujo compromisso com o crescimento através do comércio é, na melhor das hipóteses, instável.

 

Claro que essa diferença entre os dois países não é uma grande novidade. O que é novo é a nossa compreensão sobre o tempo que essas diferenças de políticas comerciais demoram a provocar falhas significativas no desempenho económico. Já em 1994, quando o NAFTA entrou em vigor, os seus defensores prometeram que os ganhos de emprego e crescimento viriam rapidamente. Isso não aconteceu. Só quase duas décadas depois é que se estabeleceu no México um número suficiente de empresas para tirar partido do acesso ao mercado dos Estados Unidos.

 

Outros gurus previram que a China teria uma vantagem esmagadora e acabaria por sugar todos os empregos relacionados com o comércio fora do México. Eles também estavam errados. Os empregos foram perdidos para a China no primeiro semestre de 2000, mas nos últimos anos - como os salários chineses (medidos em dólares) aumentaram rapidamente - as vantagens de produzir no México reafirmaram-se. O México também lucrou com a ascensão da produção “just-in-time” nos Estados Unidos, o que dá importância à proximidade e fácil acesso a insumos importados.

 

Uma segunda diferença fundamental reside na combinação das políticas monetária e fiscal dos dois países. Tanto o México como o Brasil implementaram pacotes fiscais anti-crise em 2009. Mas o México retirou o estímulo logo que a economia recuperou, e tem prosseguido uma política fiscal mais apertada do que o Brasil desde então.

 

Isso não é desejável por si próprio, como os conservadores podem argumentar, se não pelo espaço adicional que cria para a política monetária. O México tem sido capaz de manter as taxas de juros muito mais baixas - a taxa de juro básica é de 4,5%, em comparação com 7% no Brasil (que é invulgarmente baixa para o país) - mantendo uma taxa de inflação mais baixa também.

 

Ambos os países são vulneráveis a fluxos de dinheiro dos países ricos, mas as taxas de juro mais baixas do México têm isolado melhor o país da ameaça resultante da pressão cambial. A taxa de câmbio real do Brasil valorizou consideravelmente nos últimos três anos (com alguns altos e baixos nos últimos meses), enquanto a do México se manteve quase inalterada. E, claro, a taxa de câmbio competitiva do México é uma das principais razões pelas quais o país se tornou uma potência de exportação, cujo sector industrial representa cerca de 80% das exportações de mercadorias.

 

Uma terceira diferença fundamental consiste na forma como os dois países se posicionaram na economia mundial. Deixando de lado o recente ‘boom’ das ‘commodities’ no continente africano, a maior parte do crescimento económico aconteceu em três regiões do mundo com estruturas produtivas semelhantes. No leste da Ásia, uma série de países produze componentes para montagem na China (ou no resto da região) para posterior reexportação; na Europa Central e de Leste, ocorre um fenómeno semelhante em que a Alemanha funciona como o centro; e, claro, na América do Norte, Canadá e México estão cada vez mais integrados no mercado dos Estados Unidos.

 

As autopeças e os veículos acabados são os maiores componentes dessa integração na América do Norte, mas a história não termina aí: artigos electrónicos, equipamentos de telecomunicações e muitos outros bens também são parte do crescimento. O leque de exportações do México é muito maior e mais diversificado do que era há três décadas. O mesmo não se pode dizer do Brasil - ou, na verdade, de qualquer das economias sul-americanas de rápido crescimento.

 

Estes países sul-americanos – incluindo o Brasil - deviam estar a pensar sobre quais serão os motores do crescimento econômico, se e quando o ‘boom’ das ‘commodities’ terminar. Que novos bens e serviços é que o Brasil e os outros países vão exportar daqui a uma década, e para que mercados? Infelizmente, os líderes políticos e empresariais da região têm pouco a dizer sobre esta questão.

 

É claro que devemos ser cautelosos e não tirar conclusões definitivas. Nos últimos meses, as exportações mexicanas foram diminuindo, enquanto o consumo interno está a aumentar como fonte de procura. E, dado que o Brasil tem profissionais capazes e empresas de qualidade, o seu potencial para vender em todo o mundo, apesar de relativamente limitado pelas suas relações comerciais, não deve ser subestimado.

 

Um dia talvez o México e o Brasil, se tornem as âncoras, no norte e no sul, do crescimento latino-americano. Isso daria aos mercados financeiros - e aos cidadãos da região – um verdadeiro motivo para celebrar.

 

Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do Chile, é professor visitante na Universidade de Columbia.

 

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio