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Andrés Velasco - Economista 13 de Fevereiro de 2013 às 23:45

Missão inacabada da América Latina

Os participantes chegaram, os convidados europeus foram recebidos, os discursos foram pronunciados, os brindes feitos e, no final, a reunião anual da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) foi considerada um sucesso. Mas, o que ficou na manhã seguinte foi a clara sensação de uma região que está profundamente dividida, onde falta um objectivo comum e, acima de tudo, com falta de liderança.

Em primeiro lugar, as boas notícias: os quatro principais países da orla do Pacífico – México, Colômbia, Perú e Chile – deram passos importantes para aprofundar o seu acordo de integração comercial. Até ao final deste ano, 90% de todo o comércio dentro do bloco será isento de tarifas. A Costa Rica pediu para se juntar e o Japão foi aceite como observador. Esta Aliança do Pacífico, que representa cerca de 40% do PIB da América Latina e 500 mil milhões de dólares de exportações anuais, tem potencial para se tornar uma força motriz para o crescimento económico da região.

 

A saúde do presidente venezuelano, Hugo Chávez, impediu-o de participar, mas os chefes de Estado que seguem a sua liderança estavam em força e, colectivamente, bloquearam a solicitação europeia de incluir na declaração final uma garantia de que as regras de investimento não serão alteradas arbitrariamente. O presidente boliviano, Evo Morales, usou aquele fórum para criticar o Chile e reiterar as reivindicações territoriais do seu país. Quando, no final, o presidente cubano, Raúl Castro, assumiu a liderança rotativa da CELAC, uma instituição supostamente dedicada a alargar a democracia, nem mesmo os diplomatas mais experientes conseguiram conter um sorriso irónico.

 

A CELAC, que claramente exclui os Estados Unidos e o Canadá, foi lançada em 2010 para que esses países da América Latina e Caribe possam moldar o seu próprio caminho rumo a uma política democrática e prosperidade comum. Eles não a têm.

 

Para ser correcto, a maioria dos países da região continuam a ser democráticos no nome. Mas, a liberdade política não existe em Cuba e as garantias democráticas estão sob permanente desafio na Venezuela e outros países.

 

Na verdade, a maioria das economias da região têm crescido desde a crise, beneficiando de um ambiente internacional caracterizado por elevadíssimos preços das matérias-primas e taxas de juro baixas. Mas, dada a competitividade limitada e a reduzida capacidade dos negócios para inovar, ninguém sabe o que vai acontecer ao crescimento na América Latina se e quando os preços das matérias-primas regressaram a níveis normais.

 

Do mesmo modo, alguns indicadores de desigualdade caíram recentemente num punhado de países. Mas, a região continua a ser a mais desigual do planeta e as escolas com funcionamento pobre e as condições de trabalho sugerem que vai manter essa distinção duvidosa no futuro próximo.

Perguntar aos líderes da América Latina e Caribe como pretendem lidar com estes desafios, levará a uma cacofonia de respostas – nem todas coerentes. As raízes do problema estão nas décadas de 80 e 90. Naquela época, os governos em vários países da América Latina lançaram tentativas radicais para desregular as suas economias e abri-las ao comércio internacional e aos fluxos de capital.

 

Algumas reformas liberais estavam atrasadas nestes países. Mas, privatizar sem reforçar as políticas pró-competição, muitas vezes, levaram à criação de monopólios privados que cobram preços elevados por bens e serviços medíocres. Do mesmo modo, permitir a entrada massiva de fluxos de capital antes da adequada regulação do sistema bancário doméstico levou à explosão do crédito e massivas crises financeiras. Os custos sociais e económicos destes contratempos estratégicos foram elevados.

 

A reacção foi inevitável. Na verdade, o populismo, tão familiar na história da região, fez um regresso atordoante na Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e outros locais. A retórica tem sido ao estilo da década de 60 e fortemente anti-capitalista, e as políticas têm sido erráticas e, muitas vezes, arbitrárias. E, apesar da herança do estalar global das matérias-primas, na última década, os resultados levaram a que um grande acordo fosse desejado.

 

Na Venezuela, o rendimento per capita, actualmente, é mais baixo do que era há três décadas. Na Argentina, o governo conduziu a inflação persistente, de 20% ou mais, adulterando as estatísticas dos preços.

 

Claro, os países que se têm comportado melhor são aqueles que têm evitado quer o fanatismo da direita quer o populismo da esquerda. O Brasil dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva vêm à mente, juntamente com o Chile dos governos da Concertación. Nestes casos, os incentivos de mercado para o investimento e o crescimento foram combinados com ambiciosas políticas sociais. Os rendimentos aumentaram e a pobreza caiu, enquanto um amplo leque de indicadores de desenvolvimento humano melhoraram.

 

O Brasil e o Chile não têm todas as respostas: ambos os países permanecem altamente desiguais e os seus sistemas educacionais são medíocres, para mencionar dois problemas enraizados. Mas, parecem ter encontrado mais respostas, mais eficazes, do que os países que perseguem abordagens alternativas. Então, porque é que o Brasil e o Chile não se tornaram modernos, e modelos de desenvolvimento centro-esquerda para a região?

 

No Chile, a Concertación foi um defensor ineficaz das suas próprias conquistas, porque muitos líderes mais velhos e mais tradicionais nunca aprovaram as políticas moderadas que a coligação levou a cabo. O Brasil, um país muito maior, era o candidato natural à liderança política e ideológica na região. Mas, não querendo enfrentar Chávez e muito ansioso por ser o melhor amigo de todos, o Brasil abdicou desse papel.

 

Imagine uma reunião futura da CELAC, na qual a presidência é entregue a um líder moderno, progressista, que pode levar a cabo uma agenda exigente de liberdade pessoal, crescimento económico e inclusão social. Imagine uma reunião na qual as reivindicações para defender a democracia são algo mais do que uma piada cruel. É pedir demais? Uma geração inteira de latino-americanos espera que não.

 

Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é professor convidado da Universidade de Columbia.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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