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15 de Março de 2012 às 10:23

Segurança no trabalho e responsabilidades partilhadas

É frequente pensar-se que os acidentes só acontecem "aos outros" ou que somos mais conhecedores e conscientes pelo que será pouco provável que nos aconteçam a nós.

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A realidade organizacional em termos de acidentes de trabalho encontra-se, especialmente, reflectida nos números disponibilizados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, verificando-se que só em 2008 foram registados 240.018 acidentes de trabalho (231 dos quais acidentes mortais), com uma média de 40,9 dias de trabalho perdidos.

Embora os números se imponham pela sua dimensão, não deixa de ser frequente o pensamento de que os acidentes só acontecem "aos outros" ou que somos mais conhecedores e conscientes pelo que será pouco provável que nos aconteçam a nós.

Identificamos os perigos mas consideramos que, ainda assim, os conseguiremos controlar e, por isso, de forma mais ou menos consciente assumimos riscos desnecessários ou mesmo evitáveis.

Tudo ponderado, importa fazer-se uma reflexão sobre os papéis e responsabilidades dos diferentes actores sociais neste domínio, com vista a tentar prevenir-se ocorrências futuras.

Na organização do trabalho predominou, durante muito tempo, a teoria da aceitação do risco, nos termos da qual se entendia que ao celebrar-se o contrato de trabalho, o trabalhador aceitava, implicitamente, o nível de risco associado ao seu desempenho. As responsabilidades pelas ocorrências que pudessem daí advir eram, essencialmente, assumidas pelo trabalhador. Esta perspectiva servia para desresponsabilizar em grande medida a empresa.

No século XX, tal perspectiva, centrada exclusivamente no trabalhador e na sua acção, evoluiu para uma abordagem mais alargada que considera que a responsabilidade pelas condições de trabalho resulta de um processo de interacção entre as diferentes partes.

A responsabilidade pela saúde e segurança no trabalho é então entendida de forma partilhada como uma acção específica em que diferentes actores (nomeadamente Estado, trabalhadores e empregadores) intervêm e pela qual devem responder.

Compete ao Estado o fomentar de condições para o desenvolvimento de uma cultura de prevenção de riscos. Desta forma, no âmbito das políticas públicas, incumbe-lhe os domínios da regulamentação, licenciamento, certificação, normalização, investigação, formação, informação, consulta, participação e inspecção.

Considerando o direito fundamental dos trabalhadores a condições seguras de trabalho, aos empregadores incumbe o dever de assegurar a qualidade do ambiente de trabalho, garantindo desta forma a redução das condições de sinistralidade ou de ambientes potenciadores de doenças.

Atenta a sua importância e necessidade de interacção entre as diferentes partes, as questões relativas à saúde e segurança no trabalho foram objecto de regulação específica no Código do Trabalho (Lei n.º 07/2009 de 12 de Fevereiro) e legislação complementar que, inclusivamente, delimita o conceito de acidente de trabalho (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro).

De acordo com os diplomas legais em referência, constituem, entre outras, obrigações gerais do empregador: (i) proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral; (ii) adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; (iii) fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença; (iv) observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho; e (v) transferir a responsabilidade para entidades legalmente autorizadas a realizar o correspondente seguro.

Se por um lado, o trabalhador tem, neste domínio específico, direito à informação, consulta e formação, por outro, está obrigado ao cumprimento de todas as prescrições legais, sectoriais e organizacionais em termos de saúde e segurança no trabalho. O trabalhador deve cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente através dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim.

Destaque-se que um número representativo dos acidentes ocorre em microempresas (ou seja empresas que empregam menos de 10 trabalhadores) ou situações de trabalho independente, sobretudo entre operários, artífices ou trabalhadores similares.

Refira-se, ainda, que no caso de trabalho temporário, a responsabilidade principal de enquadramento dos trabalhadores compete à empresa utilizadora e tem associado um conjunto de deveres de comunicação com a empresa de trabalho temporário, nomeadamente no que se refere a informação prévia sobre resultados da avaliação de riscos e exigências particulares de vigilância da saúde.

A importância do envolvimento das partes neste domínio, sobretudo das empresas, é ainda destacada pela Agencia Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho em virtude das vantagens competitivas que daí advém (valor da marca, confiança dos investidores, atracção e fidelização de clientes), pelas condições de eficiência (produtividade, redução de custos com interrupções, doenças e danos, custos de seguros) e intervenção social e humana (responsabilidade social e qualidade de vida dos trabalhadores e famílias).

Estudos recentes indicam que o compromisso da gestão com a saúde e segurança no trabalho para além do evidente contributo para o bem-estar em contexto de trabalho, resulta em redução da sinistralidade, redução de custos tangíveis e intangíveis decorrentes das ocorrências e níveis mais elevados de compromisso e motivação dos trabalhadores para o próprio envolvimento em contextos de trabalho mais seguros.






TOME NOTA

1. A responsabilidade pela saúde e segurança no trabalho é entendida de forma partilhada em que diferentes actores intervêm e respondem.

2. As questões relativas à saúde e segurança no trabalho encontram-se reguladas no Código do Trabalho e em legislação complementar que, inclusivamente, delimita o conceito de acidente de trabalho.

3. Um número representativo de acidentes de trabalho ocorre em microempresas ou situações de trabalho independente.

4. Os empregadores encontram-se obrigados a transferir a responsabilidade para entidades legalmente autorizadas a realizar o correspondente seguro.




*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt


** Docente Universitária
acsd.duarte@gmail.com

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