Opinião
Salvador da Cunha: Mais vale prevenir? Que remédio!
Preparar planos de comunicação de contingência, investigar eventuais origens de crise, saber comunicar com uma audiência de jornalistas e formar porta vozes são algumas das disciplinas obrigatórias em empresas de média e grande dimensão.
Simultaneamente instalava-se o pânico na sua empresa. Na casa dos seus consumidores. As televisões e rádios massacravam a empresa e nos cafés as pessoas chamavam-lhe assassino. Mas o pior estava para acontecer, tinha um «cardume» de jornalistas para enfrentar à porta da sua empresa, de microfone em riste. Complicado, não?
Este caso foi verídico e é provavelmente o mais estudado caso de gestão de crise a nível mundial. Não só pela dimensão da empresa e do produto, mas sobretudo pelo incrível volume de notícias que gerou num espaço de apenas dois meses.
Numa primeira fase, os responsáveis da empresa limitaram-se a descartar responsabilidades e a afirmar que o produto tinha sido adulterado criminosamente depois de sair da fábrica. No entanto, a tese não foi consistente e alguns jornalistas descobriram que a empresa comprava cianeto e que poderia usá-lo no processo produtivo do Tylenol. Instalou-se a dúvida e, definitivamente, uma das maiores crises empresariais vividas nos Estados Unidos, com uma das mais respeitadas empresas farmacêuticas do mundo.
Confrontados com a possibilidade de sofrerem graves prejuízos, financeiros e de imagem, que poriam em causa todos os outros produtos da empresa, a administração decidiu colocar em prática algumas medidas que vieram a fazer parte dos manuais de gestão de crise. Em primeiro lugar, decidiram que só diriam a verdade. Decidiram simultaneamente enfrentar um batalhão de centenas de jornalistas e abrir as portas da empresa, por forma a que não houvesse qualquer dúvida sobre o processo produtivo do Tylenol.
Aprovaram um orçamento milionário para colocar o plano de gestão de crise em marcha, contrataram uma das maiores empresas de consultores de comunicação norte-americana e redefiniram temporariamente os pelouros da administração por forma a que alguns dos seus membros, liderados pelo presidente da empresa, dedicassem a maior parte do seu tempo à gestão desta crise. Decidiram igualmente retirar todo o produto do mercado e não apenas o lote afectado, assumindo um prejuízo milionário. O Tylenol era afinal líder de mercado e muitos analistas previram prematuramente a sua morte.
Durante o período de gestão da crise, a J&J confirmou a utilização do cianeto, mas demonstrou «in loco» que era apenas como agente nas análises de testes do produto e num edifício diferente daquele onde era fabricado o Tylenol.Desdobrou-se em comunicados, entrevistas e não deixou nem uma solicitação de jornalistas por responder, por escrito ou pessoalmente. A simpatia deu lugar à habitual arrogância «jovial» dos jornalistas mais sencionalistas. Quando a crise abrandou, a empresa fez uma mega-campanha de publicidade, de nível nacional, a esclarecer os consumidores e interessados sobre o andamento das investigações, o presidente foi entrevistado por quase todas as cadeias de televisão e pelo famoso «60 Minutes» e toda a América ficou a saber, em dezenas de documentários televisivos, como era produzido o Tylenol e outros fármacos da J&J.
A empresa aproveitou ainda para introduzir nas embalagens do Tylenol e noutros dos seus produtos uma nova «cápsula» inviolável. Voltou a colocar o produto no mercado, comunicando que não só já estava novamente disponível o produto preferido pelos consumidores, como agora era igualmente o mais seguro. Passados alguns meses, a J&J verificou que não tinha apenas recuperado a quase totalidade da quota perdida no Tylenol, mas reforçado a quota de muitos dos seus outros produtos. A sua imagem institucional saiu reforçada e mesmo os resultados financeiros desse ano foram dos melhores até então.
Esta acção culminou com uma derradeira campanha de publicidade de agradecimento à classe jornalística, pela forma responsável como tinha coberto o caso...
De 1982 para cá muito se evoluiu na ciência da comunicação. Este e muitos outros exemplos deram origem à necessidade das empresas prepararem-se para eventuais crises, que poderão surgir quando menos se espera, de onde menos de se espera e com intensidades por vezes brutais. Foi visível por todo o mundo, em directo, a crise vivida pelas dezenas de empresas americanas vítimas dos atentados de 11 de Setembro. E passou a ser consensual nos manuais de gestão, a necessidade que as empresas têm de preparar ferramentas de prevenção contra eventuais situações de crise.
Preparar planos de comunicação de contingência, investigar eventuais origens de crise, preparar equipas, saber comunicar com uma audiência de jornalistas e formar porta-vozes são algumas das disciplinas obrigatórias em empresas de média e grande dimensão, com responsabilidades perante todos os seus públicos, tanto internos como externos.
A prestação de serviços de gestão de crise pelas empresas consultoras de comunicação e relações públicas é talvez uma das áreas de intervenção mais delicadas, por exigir dos consultores conhecimentos a vários níveis no campo da gestão. Mas já é possível contratar esses serviços em Portugal. Simulação e treino de situações de crise, preparação de manuais de gestão de crise adaptados à realidade específica das empresas, preparação para gerir a mudança nas organizações, o «Media Training» e a formação de porta-vozes são apenas alguns dos instrumentos mais correntes que podem ser adaptados à empresas por consultoras de comunicação.
Como em tudo na vida, mais vale prevenir. Pensar que isso só acontece aos outros é ter «vistas curtas».
Nota: O caso relatado é publico e as informações foram recolhidas em diversas fontes. O autor ou a Bairro Alto não trabalham com nenhuma das marcas referidas nem têm interesses na sua divulgação.
Salvador da Cunha
Bairro Alto, Lda
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Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia