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09 de Novembro de 2006 às 13:59

Saddam Hussein e os direitos do homem

Não deixa de ser irónico que Saddam Hussein, responsável em 1992, pela morte de 148 xiitas na cidade Dujai a norte de Bagdá, na sequência da tentativa fracassada para o assassinar, ...

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Não deixa de ser irónico que Saddam Hussein, responsável em 1992, pela morte de 148 xiitas na cidade Dujai a norte de Bagdá, na sequência da tentativa fracassada para o assassinar, tenha sido condenado à morte por enforcamento por crimes contra a humanidade, venha a ser agora defendido, designadamente pela Amnistia Internacional, que criticou a decisão judicial que considerou incorrecta e injusta.

É este paradoxo que faz com que a União Europeia e alguns dos seu lideres mais representativos como Zapatero, Romano Prodi ou mesmo Douste-Blazy, Ministro dos Negócios Estrangeiros francês se tenham insurgido contra a pena capital, enquanto violação do direito à vida, princípio essencial previsto e garantido no artigo segundo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos termos do qual se consagra o direito de qualquer pessoa ter a vida protegida, pelo que a morte não lhe pode ser inflingida intencionalmente, e, antes, devem ser tomadas todas as medidas adequadas à salvaguarda do direito à vida.

O peso dos Direitos do Homem e das suas liberdades fundamentais é de tal modo grande que a União Europeia vai mais para além dos simples votos piedosos e considera-os como cláusula sine qua non na negociação e celebração de acordos internacionais. Esta sensibilidade, cada vez mais apurada neste domínio, é fruto da acção das instituições europeias que consideram que aquela cláusula é indispensável a uma política coerente e harmoniosa de cooperação e desenvolvimento.
Na Europa a origem dos Direitos do Homem suscita enormes controvérsias porque as tradições constitucionais dos países são especialmente postas em relevo, em especial as derivadas da Revolução Francesa ou da história constitucional inglesa, em detrimento do pensamento da antiguidade grega ou da influência religiosa.

O papel das religiões também não pode aqui ser negado ou esquecido, especialmente o da religião cristã. Com efeito, o cristianismo embora sem ter elaborado uma doutrina dos Direitos do Homem, imprimiu, contudo, um significado especial às liberdades pondo em evidência os deveres essenciais do ser humano, em temas, por exemplo, como os dez mandamentos. O papel da Igreja foi, portanto, essencial para a Europa na elaboração conceptual desta matéria.

A seguir ao cristianismo e ao judaísmo, o Islão é a terceira religião monoteísta, embora seja de todas estas religiões a que mais problemas coloca do ponto de vista de salvaguarda dos direitos humanos. É que enquanto o judaísmo renuncia a todo o messianismo e apresenta-se como a religião do povo eleito, enquanto o cristianismo põe o acento tónico no espiritual e preconiza a renúncia nas questões temporais, pelo contrário, o Islão não evita nem o messianismo, nem a confusão entre o espiritual e o temporal, atestados pelo Corão que exorta os muçulmanos à guerra santa contra todos aqueles que não professam a verdadeira religião até à sua verdadeira conversão ou submissão e que visa instituir um Estado teocrático tendo em vista oferecer aos seus crentes a oportunidade de aceder à vida eterna.

Esta visão recrudesceu a partir de 1972 na Líbia, com o restabelecimento da pena de amputação por roubo, em 1978 com o sucesso da revolução islâmica no Irão e os dois anos seguintes com a reeslamização do direito do Paquistão, Egipto e Mauritânia. Com a guerra do Golfo que opôs o Iraque às Nações Unidas, o fenómeno ampliou-se e começou a ser percepcionado como uma luta entre o Islão e o Occidente Messiânico e teocrático o Islão, parece inconciliável com a concepção ocidental dos direitos humanos e liberdades fundamentais, embora se possa dizer que há duas formas de interpretar o Corão. A primeira corresponde a uma atitude integrista que consiste em seguir à letra o modelo de sociedade do século VII, enquanto a outra interpretação, que pode ser qualificada de evolucionista, faz uma leitura mais crítica do livro sagrado, procurando-a adaptar aos dias de hoje o que pode ser conciliável com os direitos fundamentais.

No final e de forma ilógica, Saddam Hussein pode ser salvo pelos princípios libertários e humanistas que sempre condenou e violou, situação contraditória, mas não improvável.

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