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Resgatar os detentores de obrigações?

Um ano após o governo dos Estados Unidos ter permitido a queda do banco de investimento Lehman Brothers - mas depois ter salvo a AIG -, e após os governos em todo o mundo terem salvo muitos outros bancos, a questão principal permanece: quando...

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Um ano após o governo dos Estados Unidos ter permitido a queda do banco de investimento Lehman Brothers - mas depois ter salvo a AIG -, e após os governos em todo o mundo terem salvo muitos outros bancos, a questão principal permanece: quando, e como, devem as autoridades salvar as instituições financeiras?

Actualmente, quando uma instituição é considerada "demasiado grande para cair", espera-se que o governo intervenha se esta estiver com problemas. Mas até onde devem ir estas intervenções? Ao contrário do que aconteceu nos precipitados recentes resgates, os futuros resgates governamentais devem proteger apenas alguns credores da instituição. Em particular, a rede de segurança do governo não deve estender-se aos detentores de obrigações da instituição.

No passado, os resgates do governo protegeram todos os contribuidores de capital, excepto os accionistas. Aos accionistas era muitas vezes pedido que assumissem os prejuízos ou mesmo que desaparecessem, mas os detentores de obrigações eram normalmente salvos pelas injecções de capital do governo.

Por exemplo, os detentores de obrigações foram totalmente cobertos durante os resgates da AIG, Bank of America, Citigroup e Fannie Mae, enquanto os accionistas tiveram que suportar elevados prejuízos. O mesmo aconteceu nos resgates realizados no Reino Unido, na Europa Continental e em outros países. Os detentores de obrigações foram salvos porque, normalmente, os governos optam por injectar capital em vez de acções comuns ou preferenciais - que estão subordinadas às reclamações dos detentores de obrigações - ou melhorar os balanços através da compra ou garantindo o valor dos activos.

Há duas razões para um governo querer resgatar uma instituição financeira e dar protecção aos seus credores. Primeiro, relativamente aos depositantes ou outros credores que podem retirar o seu capital rapidamente, poderia ser necessária a protecção do governo para evitar "corridas" bancárias aos activos da instituição, que podiam ter efeitos semelhantes em outras instituições.

Em segundo, a maioria dos pequenos credores não é capaz de monitorizar e estudar a situação da instituição financeira quando aceita fazer negócio com ela. Para permitir que pequenos credores utilizem o sistema financeiro, seria eficiente para o governo garantir (explicitamente ou implicitamente) as suas reclamações.

Mas, se estas considerações justificam que, em caso de resgate de uma instituição financeira, seja dada total protecção aos depositantes e outros credores com características semelhantes, não justificam que essa protecção seja estendida aos detentores de obrigações.

Ao contrário dos depositantes, os detentores de obrigações não são livres de retirar rapidamente o seu capital. Recebem o seu dinheiro num prazo definido contratualmente, que pode ser de vários anos. Assim, se uma instituição financeira estiver em dificuldades, os detentores de obrigações não vão levantar os seus activos e não é de esperar que os detentores de obrigações de outras instituições o façam.

Além disso, ao proporcionar o seu capital a uma instituição financeira, os detentores de obrigações obtêm termos contratuais que reflectem o risco que enfrentam. De facto, a necessidade de compensar os detentores de obrigações pelos riscos poderia gerar disciplina de mercado: quando o funcionamento das instituições financeiras pode gerar maiores riscos no futuro, espera-se que "paguem" com taxas de juros mais elevadas ou condições mais apertadas.

Mas esta fonte de disciplina de mercado deixaria de funcionar se a protecção do governo fosse estendida aos detentores de obrigações. Se os detentores de obrigações soubessem que o governo os iria proteger, não iriam insistir em termos contratuais mais apertados quando enfrentam riscos mais elevados. O problema do "risco moral" - que define que os agentes económicos vão assumir riscos excessivos se não esperarem suportar todas as consequências das suas acções - é normalmente usado como justificação para não proteger os accionistas de empresas resgatadas. Mas também serve para desencorajar a protecção de detentores de obrigações.

Assim, quando uma grande instituição financeira tem problemas que exigem a intervenção do governo, este deve estar preparado para garantir uma rede de segurança aos depositantes e credores com características semelhantes, mas não aos detentores de obrigações. Em particular, se o capital social da empresa for afectado, o governo não deve injectar fundos (directa ou indirectamente) para aumentar a protecção disponível aos detentores de obrigações. Em vez disso, as obrigações devem ser, em parte, convertidas em capital social e qualquer injecção de novo capital pelo governo deve ser realizada em troca de valores mais antigos que os dos existentes detentores de obrigações.

Os governos deviam não só evitar proteger os detentores de obrigações em situações de resgate de uma instituição financeira, mas também tornar este compromisso claro antecipadamente. Alguns dos benefícios de uma política governamental que leve os detentores de obrigações a insistir em condições mais apertadas quando as empresas financeiras assumem maiores riscos não podem ser totalmente avaliados se os detentores de obrigações acreditarem que o governo pode proteger os seus interesses em caso de um resgate financeiro.

Por outras palavras, os governos deviam definir políticas de resgate antes de terem necessidade de intervir, em vez de tomarem decisões ad hoc quando as empresas estão com problemas. A melhor política deveria excluir categoricamente os detentores de obrigações da lista de potenciais beneficiários dos resgates governamentais. Isto iria eliminar não só custos desnecessários, mas também diminuiria a sua incidência.


Lucian Bebchuk é professor de Direito, Economia e Finanças e Director do Programa de Corporate Governance na Escola de Direito de Harvard.


© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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