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Quem deve ser salvo?

Numa altura em que os governos de todo o mundo desenvolvem políticas para lidar com as instituições financeiras falidas, devem assegurar-se que escolhem os seus beneficiários de forma sensata. Em particular, devem estudar e evitar os erros cometidos no resgate da AIG nos finais de 2008.

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Numa altura em que os governos de todo o mundo desenvolvem políticas para lidar com as instituições financeiras falidas, devem assegurar-se que escolhem os seus beneficiários de forma sensata. Em particular, devem estudar e evitar os erros cometidos no resgate da AIG nos finais de 2008.

O Inspector-Geral Especial dos Estados Unidos publicou recentemente um relatório onde criticou o Governo norte-americano por não ter insistido que os parceiros da AIG nos mercados de derivados financeiros suportassem alguns dos custos de resgatar a empresa. De facto, o resgate de instituições falidas nunca deve estender a rede de segurança governamental a esses parceiros.

O resgate da AIG foi um dos maiores de sempre, com o Governo dos Estados Unidos a injectar mais de 100 mil milhões de dólares na empresa. O resgate foi provocado pelos enormes prejuízos da AIG na transacção de derivados com entidades financeiras, na sua maioria agentes sofisticados como o Goldman Sachs ou o espanhol Banco Santander.

Após a injecção de fundos governamentais em Setembro de 2009, os prejuízos da AIG continuaram a acumular-se, o que levou o Governo a conceder novos montantes de capital dois meses mais tarde. Nesta altura, o Governo pediu aos parceiros com derivados que realizassem um "corte" voluntário - ou seja, que aceitassem um desconto no montante que lhes era devido. Quando algumas das partes recusaram, o Governo recuou e financiou o pagamento completo de todas as obrigações da AIG na área dos derivados.

O Governo dos Estados Unidos sentiu que não tinha alternativa, porque não estava preparado para permitir que AIG deixasse de cumprir com as suas obrigações. Foi um erro. O Governo devia estar preparado para impor a reorganização da AIG no âmbito do Capítulo 11 do código de falências dos Estados Unidos e forçar os parceiros de derivados a aceitarem o corte desejado.

A AIG é uma "holding" e a maioria dos seus negócios são geridos através de filias organizadas como entidades legais independentes. Os enormes prejuízos nas transacções de derivados foram gerados pela unidade de produtos financeiros da AIG. Apesar de esta unidade ser também uma entidade legal independente, a AIG garantia as suas obrigações para com os seus parceiros.
Se o Governo tivesse imposto a reorganização da AIG no âmbito do capítulo 11 em Novembro de 2008, os credores da AIG, incluindo os parceiros na área de derivados, teriam ficado com o valor dos activos da AIG, que consistiam, principalmente, em acções das suas filiais de seguros. Sem afectar necessariamente as operações destas filiais, o processo de reorganização teria simplesmente transferido a propriedade dos activos da AIG dos accionistas para os credores.

Como o valor de esses activos não teria sido suficiente para cobrir todas as reclamações dos credores de derivados, estes teriam que suportar alguns prejuízos. Este resultado era inaceitável? De modo algum.

A relutância do Governo em usar este processo pode ter sido motivada pelo papel importante da AIG no mercado de seguros mundial. Mas a reorganização da AIG e a mudança na sua propriedade não colocaria em perigo os detentores de apólices de seguros. As filiais de seguros não eram responsáveis pelas obrigações da empresa e as reclamações dos títulos de apólices de seguros estavam salvaguardadas pelas reservas obrigatórias.

Em qualquer caso, as preocupações com os detentores de apólices de seguros deviam ter levado, no máximo, a um compromisso do Governo para apoiar as suas reclamações, caso fosse necessário. Não obrigava os contribuintes a resgatar os parceiros da área de derivados da empresa.

O Governo pode também ter sido motivado pela preocupação de que os prejuízos dos parceiros da AIG na área de derivados esgotassem o capital de algumas instituições financeiras numa altura difícil. Mais uma vez, estas preocupações teriam sido melhor resolvidas de outras formas - em particular, fornecendo, directamente, fundos às instituições que necessitassem de capital em troca de activos. Para resolver uma potencial falta de capital no Goldman Sachs, por exemplo, os contribuintes teriam ficado melhor fornecendo 13 mil milhões de dólares ao Goldman em troca de activos equivalentes desta entidade, em vez de pagar a conta de 13 mil milhões de dólares que a AIG deu ao Goldman.

No futuro, os Governo não devem resgatar parceiros na área de derivados de instituições financeiras falidas, mesmo quando estes fornecem uma rede de segurança aos credores de essas instituições (como por exemplo depositantes). Os Governo devem não só seguir esta política, como esclarecer à partida o seu compromisso em segui-la.

Comunicar claramente este compromisso pode levar as partes envolvidas na transacção de derivados a não confiar na rede de segurança do Governo mas sim a monitorizar se os seus parceiros têm as reservas adequadas.

Um compromisso do Governo para excluir os credores de derivados de qualquer rede de segurança, quando as instituições financeiras entram em colapso, iria reduzir os custos futuros para os contribuintes de casos como o da AIG. De facto, iria reduzir a probabilidade de casos como o da AIG chegarem a acontecer.

Lucian Bebchuk é professor de Direito, Economia e Finanças e director do programa de Corporate Governance na Universidade de Harvard. Apesar de Bebchuk ser conselheiro do organismo de remunerações da administração dos Estados Unidos, as opiniões expressas neste artigo não devem ser atribuídas a esse organismo.

© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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