Opinião
Avaliar as agências de "rating"
Na nova ordem financeira que está a ser criada pelos reguladores de todo o mundo, a reforma das agências de "rating" devia ser um elemento fundamental. Essas agências, que desempenham um papel importante no mercado de capitais moderno...
Na nova ordem financeira que está a ser criada pelos reguladores de todo o mundo, a reforma das agências de "rating" devia ser um elemento fundamental. Essas agências, que desempenham um papel importante no mercado de capitais moderno, falharam completamente nos anos que antecederam a crise financeira. É necessário um mecanismo eficaz para qualificar os qualificadores.
Há um reconhecimento alargado de que as agências de "rating" desiludiram os investidores. Muitos produtos financeiros relacionados com o sector imobiliário qualificados com seguros pela Standard & Poor, Moody's e Fitch durante os anos de crescimento económico revelaram-se produtos letalmente perigosos. E o problema não está limitado a esses produtos financeiros: com os emissores de outros produtos de dívida a escolher e a compensar as empresas que os qualificavam, as agências tinhas fortes incentivos para retribuir com bons "ratings".
O que deve ser feito? Uma das propostas passa por reduzir a importância da opinião das agências de "rating". Em muitos casos, a importância dos "ratings" resulta de exigências legais que obrigam ou encorajam os investidores institucionais ou os veículos de investimento a manter portefólios de activos que receberam qualificações suficientemente elevadas por parte de agências reconhecidas.
Dado o desapontamento com o desempenho das agências de "rating" e o cepticismo com a eficácia da regulação, apelou-se a que os reguladores deixassem de depender dos "ratings". Segundo este argumento, se os "ratings" não forem apoiados pela força da lei, os reguladores não precisam de se preocupar com a qualidade do "rating" e podem deixar a monitorização das agências para o mercado.
No entanto, mesmo que os "ratings" deixassem de ser exigidos ou encorajados por lei, a procura por "ratings" - e a necessidade de melhorar a sua fiabilidade - iria continuar a existir. Muitos investidores não têm capacidade para analisar até que ponto a elevada rentabilidade de um fundo de obrigações se deve ao elevado risco e, nesse caso, poderia beneficiar com um "rating" do detentor do fundo. Dada a experiência passada, não podemos depender da reputação do mercado para garantir que esses "ratings" são confiáveis.
Outra possibilidade seria libertar o sistema de obrigações. Neste caso, se os investidores pudessem levar as agências de "rating" a tribunal, os inventivos das agências iriam melhorar. Mas, apesar de este escrutínio judicial poder ser eficaz para eliminar alguns casos muito graves, não garante que as agências façam o correcto, já que os tribunais não podem decidir "a posteriori", o que era correcto.
Assim, não existe um substituto que forneça às agências de "rating" os incentivos necessários para que estas emitam qualificações o mais exactas possíveis. Isto pode ser se os lucros das agências de "rating" deixaram de depender da satisfação dos emissores que as escolhem e passarem a depender dos bons resultados dos investidores. Se os lucros das agências dependerem deste desempenho - da exactidão dos seus "ratings" -, a motivação para o lucro deixaria de ser uma fonte de incentivos perversos e passaria a beneficiar os incentivos benéficos.
O Senado dos Estados Unidos votou este mês a possibilidade de incorporar este mecanismo num projecto-lei de reforma financeira que agora terá que ser conciliado com com o projecto-lei aprovado pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Segundo o critério do Senado, os reguladores deveriam criar regras segundo as quais um conselho regulador independente escolheria as agências. A este conselho seria permitido basear as suas escolhas nos desempenhos passados das agências.
Para que este mecanismo funcione, deve ligar o número de encargos ganhos pelas agências, e as suas compensações, a formas apropriadas de avaliar os seus desempenhos, que devem centrar-se no que torna os "ratings" valiosos para os investidores que os usam: a exactidão em prever a saúde financeira.
Uma vez criado, este mecanismo não deve ser limitado (tal como, infelizmente, acontece no projecto-lei do Senado) aos "ratings" de produtos financeiros estruturados. Deve ser aplicado a todos os produtos que as agências de "rating" avaliam. Todos os "ratings" de produtos financeiros levantam os mesmos problemas em termos de incentivos, e podem beneficiar com a reforma.
Como era de esperar, o projecto-lei do Senado chocou com uma forte resistência por parte das agências de "rating" mais importantes. A Standard & Poor argumenta que este mecanismo deixa as agências de "rating" com "menos incentivos para competir entre si, aplicar inovações e melhorar os seus modelos, critérios e metodologias".
É certo que este mecanismo iria reduzir os incentivos negativos para competir com o objectivo de agradar aos emissores de activos e para aplicar inovações e melhorias que permitem às agências prestar melhores serviços aos emissores. Mas iria reforçar os incentivos positivos para competir no sentido de produzir "ratings" mais fiáveis e para aplicar inovações e melhorias que permitam alcançar um objectivo muito mais benéfico em termos sociais.
As agências de "rating" foram, e devem continuar a ser, um aspecto importante dos mercados de capitais modernos. Mas para que os "ratings" funcionem, as agências precisam de ser avaliadas.
Lucian Bebchuk é professor de Direito, Economia e Finanças, e Director do programa de Corporate Governance da Escola de Direito de Harvard.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Há um reconhecimento alargado de que as agências de "rating" desiludiram os investidores. Muitos produtos financeiros relacionados com o sector imobiliário qualificados com seguros pela Standard & Poor, Moody's e Fitch durante os anos de crescimento económico revelaram-se produtos letalmente perigosos. E o problema não está limitado a esses produtos financeiros: com os emissores de outros produtos de dívida a escolher e a compensar as empresas que os qualificavam, as agências tinhas fortes incentivos para retribuir com bons "ratings".
Dado o desapontamento com o desempenho das agências de "rating" e o cepticismo com a eficácia da regulação, apelou-se a que os reguladores deixassem de depender dos "ratings". Segundo este argumento, se os "ratings" não forem apoiados pela força da lei, os reguladores não precisam de se preocupar com a qualidade do "rating" e podem deixar a monitorização das agências para o mercado.
No entanto, mesmo que os "ratings" deixassem de ser exigidos ou encorajados por lei, a procura por "ratings" - e a necessidade de melhorar a sua fiabilidade - iria continuar a existir. Muitos investidores não têm capacidade para analisar até que ponto a elevada rentabilidade de um fundo de obrigações se deve ao elevado risco e, nesse caso, poderia beneficiar com um "rating" do detentor do fundo. Dada a experiência passada, não podemos depender da reputação do mercado para garantir que esses "ratings" são confiáveis.
Outra possibilidade seria libertar o sistema de obrigações. Neste caso, se os investidores pudessem levar as agências de "rating" a tribunal, os inventivos das agências iriam melhorar. Mas, apesar de este escrutínio judicial poder ser eficaz para eliminar alguns casos muito graves, não garante que as agências façam o correcto, já que os tribunais não podem decidir "a posteriori", o que era correcto.
Assim, não existe um substituto que forneça às agências de "rating" os incentivos necessários para que estas emitam qualificações o mais exactas possíveis. Isto pode ser se os lucros das agências de "rating" deixaram de depender da satisfação dos emissores que as escolhem e passarem a depender dos bons resultados dos investidores. Se os lucros das agências dependerem deste desempenho - da exactidão dos seus "ratings" -, a motivação para o lucro deixaria de ser uma fonte de incentivos perversos e passaria a beneficiar os incentivos benéficos.
O Senado dos Estados Unidos votou este mês a possibilidade de incorporar este mecanismo num projecto-lei de reforma financeira que agora terá que ser conciliado com com o projecto-lei aprovado pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Segundo o critério do Senado, os reguladores deveriam criar regras segundo as quais um conselho regulador independente escolheria as agências. A este conselho seria permitido basear as suas escolhas nos desempenhos passados das agências.
Para que este mecanismo funcione, deve ligar o número de encargos ganhos pelas agências, e as suas compensações, a formas apropriadas de avaliar os seus desempenhos, que devem centrar-se no que torna os "ratings" valiosos para os investidores que os usam: a exactidão em prever a saúde financeira.
Uma vez criado, este mecanismo não deve ser limitado (tal como, infelizmente, acontece no projecto-lei do Senado) aos "ratings" de produtos financeiros estruturados. Deve ser aplicado a todos os produtos que as agências de "rating" avaliam. Todos os "ratings" de produtos financeiros levantam os mesmos problemas em termos de incentivos, e podem beneficiar com a reforma.
Como era de esperar, o projecto-lei do Senado chocou com uma forte resistência por parte das agências de "rating" mais importantes. A Standard & Poor argumenta que este mecanismo deixa as agências de "rating" com "menos incentivos para competir entre si, aplicar inovações e melhorar os seus modelos, critérios e metodologias".
É certo que este mecanismo iria reduzir os incentivos negativos para competir com o objectivo de agradar aos emissores de activos e para aplicar inovações e melhorias que permitem às agências prestar melhores serviços aos emissores. Mas iria reforçar os incentivos positivos para competir no sentido de produzir "ratings" mais fiáveis e para aplicar inovações e melhorias que permitam alcançar um objectivo muito mais benéfico em termos sociais.
As agências de "rating" foram, e devem continuar a ser, um aspecto importante dos mercados de capitais modernos. Mas para que os "ratings" funcionem, as agências precisam de ser avaliadas.
Lucian Bebchuk é professor de Direito, Economia e Finanças, e Director do programa de Corporate Governance da Escola de Direito de Harvard.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Mais artigos do Autor
A parte da remuneração do CEO
22.03.2010
Quem deve ser salvo?
25.01.2010