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18 de Maio de 2010 às 12:27

Quem paga?

A recente proposta do FMI em introduzir um imposto especial sobre a banca tem, no contexto actual, um apelo absolutamente inegável: sendo óbvio que os bancos foram salvos dos seus próprios erros através da injecção de dinheiro dos contribuintes, parece...

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A recente proposta do FMI em introduzir um imposto especial sobre a banca tem, no contexto actual, um apelo absolutamente inegável: sendo óbvio que os bancos foram salvos dos seus próprios erros através da injecção de dinheiro dos contribuintes, parece óbvio que devam pagar-lhes o custo da sua "salvação". Com esse objectivo, o FMI propõe a introdução de um mecanismo de tributação dual: um imposto sobre os passivos dos bancos e outro sobre os respectivos lucros.

Na prática, os passivos das instituições consideradas "too big to fail" são garantidos pelos contribuintes. A teoria é a de que obrigacionistas e depositantes beneficiam de um seguro gratuito suportado pelo contribuinte, devendo, portanto, pagar por ele. À partida parece estarmos perante uma lógica irrepreensível. Mas vale a pena explorar um pouco mais as implicações económicas de tal medida.

Em primeiro lugar há que avaliar as implicações sobre os depositantes. Estes já pagam, na prática, o custo do sistema de garantia de depósitos. Se tal sistema é insuficiente, então seria melhor repensá-lo em vez de introduzirmos uma tributação adicional. Dependendo do grau de competitividade dos depósitos, parte do custo do novo imposto será "passado para a frente", ou seja, pago pelos depositantes. Será razoável, então, que estes paguem pelos erros dos bancos? Ou será que teremos de suportar uma nova tributação para compensar a falha do Estado no seu dever de supervisão?

Seguidamente, haverá que analisar o impacto no que respeita aos empréstimos obrigacionistas.

Nesse mercado, os bancos competem contra emitentes não bancários. Os investidores comparam as diferentes emissões quanto ao grau de risco e vão fazer ofertas de preço em função do risco e maturidade de cada obrigação. Consequentemente, aos bancos não será possível "repercutir para a frente" esse novo imposto, o qual em nada será suportado pelos obrigacionistas. Para os bancos, portanto, o novo imposto implica um aumento directo do custo marginal dos fundos. Mas, então, quem o paga?

Mais uma vez, tudo depende da competitividade dos mercados, neste caso, dos de crédito. Ora, a maior competitividade deste mercado ditará que um aumento do custo marginal dos fundos dos bancos seja, em grande medida, "repercutido para a frente". Ou seja, será sobretudo pago por aqueles que contratam novos empréstimos. Mas será justo que também estes paguem pelos erros dos bancos?

O outro vector da proposta do FMI é o de uma tributação especial sobre o lucro dos bancos. Também esta tem um apelo óbvio: sendo os accionistas os grandes beneficiários pela garantia implícita que recebem do Estado, é natural que paguem por isso. Contudo, vale a pena ter em conta que esta tributação também é repercutível nos preços. Mais no crédito que nos depósitos, é certo, mas acabará por ser parcialmente paga pelos "contribuintes do costume" que em nada contribuíram para os problemas de gestão de risco dos bancos, nem para as falhas de supervisão do Estado. Adicionalmente, temos de ter em conta o facto de o risco suportado pelos contribuintes não ser directamente relacionável com o lucro dos bancos. Muitos bancos são rentáveis "apenas" por serem bem geridos, e não por suportarem riscos excessivos. Deveremos, então, penalizar a boa gestão na banca? E deveremos isentar os bancos mal geridos que apresentem prejuízos?

Esta lógica de dupla tributação tem ainda outro problema. Ao dizer que se está a fazer pagar pela garantia implícita aos bancos "too big to fail", o Estado está a legitimar os comportamentos errados, incentivando o "moral hazard". Portanto, qualquer novo sistema de tributação tem de ser capaz de penalizar os erros e desincentivar a tomada de riscos.

Assim, sendo óbvio que os accionistas e gestores dos bancos devem pagar pelas garantias implícitas que recebem dos contribuintes, as propostas do FMI falham o alvo e acabam por enviar a factura aos destinatários errados. Os bancos devem pagar um imposto em função dos riscos por si incorridos. E os próprios gestores cujo emprego (e bónus futuros) é salvo com os dinheiros dos contribuintes também devem ser sujeitos a uma tributação especial fixada em função do risco dos bancos por si geridos. Não tenho dúvidas de que tal opção se afigura bastante mais complexa, obrigando à revisão dos actuais mecanismos de medição de risco introduzidos pelo nado-morto Basileia II. Mas é mais justa e transmite a accionistas e gestores bancários os incentivos correctos. Falta-nos ainda pensar como fazer os supervisores pagar aos contribuintes os custos da respectiva negligência e incentivá-los a fazer melhor no futuro.


Professor da
Universidade Nova de Lisboa
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