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27 de Setembro de 2011 às 12:07

Credibilidade

Neste actual contexto de forte volatilidade dos mercados financeiros provocada pela crise Grega, Portugal esforça-se, a todos os níveis, por se descolar daquele país à beira do colapso.

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Neste actual contexto de forte volatilidade dos mercados financeiros provocada pela crise Grega, Portugal esforça-se, a todos os níveis, por se descolar daquele país à beira do colapso. Até há bem pouco tempo foi comum ver o nosso país aparecer mais ao lado da Irlanda, como um espaço de países cumpridores e bem comportados, do que ao lado da Grécia, num subconjunto de condenados ao incumprimento e saída do euro. O processo de consolidação orçamental vai em bom rumo, infelizmente mais pelo lado da receita do que da despesa. A relativa agressividade desse processo, acompanhada por uma relativa aceitação (ou resignação) por parte da população, fez sobressair o contraste com a Grécia. E fez aumentar o número dos que, na cena internacional, começaram a acreditar que o nosso país seria capaz de dar a volta por cima.

Claro que sempre houve os desconfiados. Os que acreditaram que Portugal escondia esqueletos no armário. E para estes, o recente folhetim madeirense foi a confirmação das suas suspeitas. De uma assentada o Governo Regional da Madeira deita por terra muito do esforço exigido aos portugueses nos últimos meses. A desconfiança regressou. A expectativa quanto a outras más surpresas disparou. O custo para o País do descontrole madeirense excede em muito o valor das dívidas escondidas agora reveladas. A sua pronta revelação fez as autoridades nacionais ganhar uns pontos, mas nem isso conseguiu evitar a quebra acentuada do "contador" do "nível de confiança" no nosso país. Vai obrigar a mais e maior consolidação do que o que se previa. E adiou significativamente o nosso regresso aos mercados.

A Madeira, e seu Presidente, têm vivido num clima de particular impunidade. Jogando habilmente com os "seus" lugares no Parlamento e a oportuna pacoviada independentista, o dito Presidente consegue sempre o que quer. Levou a Região a uma estratosférica dívida "per capita". Para evitar futuras situações similares, garantir equidade entre as duas regiões autónomas e, sobretudo, ganhar credibilidade internacional é preciso que o acto não fique impune. É preciso que a Madeira seja submetida a um esforço suplementar de consolidação orçamental, sem precedentes, que conduza os eleitores madeirenses a, através do seu voto, reflectir as consequências do desvario orçamental regional. Ouvi falar num inquérito da PGR. Não sei se existe uma Lei que mande prender quem deliberadamente efectue despesa pública (ou assuma dívidas) acima do orçamentado. Mas se não há, devia haver.

Mas nem só da Madeira vive a nossa falta de credibilidade actual. Os mercados esperam, ansiosamente, pelas anunciadas medidas de corte da despesa (ainda bem que não reparam que as Finanças ainda nem sequer decidiram mandar desligar os reclamos luminosos que noite adentro nos iluminam as respectivas repartições). Esperam pela recapitalização da banca. E, sobretudo, esperam ver-nos voltar a crescer. Porque sem crescimento não haverá sustentabilidade na consolidação orçamental. E recordo, para quem gosta de nos comparar com a Irlanda, que esta economia já se encontra a crescer acima da média da UE.

Os investidores internacionais viram a troika reservar 12 biliões para a recapitalização da banca nacional. Os mercados viram aí um sinal de fragilidade do nosso sistema bancário. Até hoje, não só a dita quantia não foi objecto de qualquer uso como nem sequer se conhece o regime da respectiva utilização. Os bancos estão mais preocupados em manter os seus delicados equilíbrios accionistas do que em injectar mais capital. Por isso, preparam-se para cumprir os mais exigentes rácios de capital, não com mais fundos próprios (exceptuando algumas reclassificações), mas antes através de uma redução de activos. Ou seja, num contexto já de si complicado de falta de liquidez e de necessidade de desalavancagem, a banca responde com uma estratégia que implicará uma forte contracção do crédito à economia. Como defensor da iniciativa privada fico dividido: os bancos privados devem ser geridos pelos seus accionistas; mas tal liberdade de gestão não poderá ser feita à custa do resto da actividade económica privada nacional. Tais bancos privados utilizaram o argumento da sua importância para o financiamento da economia para solicitar que o Estado nacionalizasse o BPN. Nós, contribuintes, pagámos o custo. Para a economia crescer será necessário expandir o crédito. E não o contrário.

E só vejo duas soluções: ou o Estado injecta uma parte substancial daquela quantia na CGD e lhe ordena uma orientação clara para uma agressiva tomada de risco em crédito às empresas ou, mais corajosamente, e seguindo o modelo britânico, obriga os bancos a aceitar o dinheiro público e lhes exige uma mudança na política de crédito. Como as coisas estão actualmente, nem credibilidade da banca, nem crédito, nem crescimento.

Um dos obstáculos que a troika encontrou ao nosso crescimento prende-se com os "lucros excessivos" (a expressão é deles, embora não figure no MoU) que encontraram em sectores-chave da economia, associados a bens e serviços não transaccionáveis. Resolver essa questão, tal como exigido (por outras palavras) no MoU é essencial para a retoma do crescimento. Envolve, como todos sabemos, mexer nos interesses instalados mais poderosos da sociedade portuguesa. Por isso, existe muita expectativa em torno deste tema. Esta é uma matéria onde cumprir o acordado com a troika vai trazer benefícios imediatos à população. Vai mostrar-lhe que este processo também mexe nos bolsos dos poderosos, com ganhos monetários evidentes para aqueles que têm sido chamados a pagar a factura deste processo de consolidação. E reforça o apoio que a população tem dado ao processo. A Grécia perdeu o que lhe restava de credibilidade no dia em que as televisões mostraram que o governo grego não tinha qualquer apoio na população. Para ganhar a credibilidade externa é preciso manter - totalmente intacta - a credibilidade interna. A actual passividade da população portuguesa não é eterna e dependerá, criticamente, dos próximos passos em relação a estes (e outros) temas.



Professor da Universidade Nova de Lisboa
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