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22 de Maio de 2007 às 13:59

Quando até o local é deslocalizado

"Procuramos um jornalista de imprensa escrita residente na Índia para fazer a cobertura da actividade do governo municipal e da política local de Pasadena, na Califórnia." O anúncio foi posto na edição indiana do craigslist.org pelo pasadena.com – sítio d

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Dois jornalistas já foram contratados (um deles formado em Berkley, na Califórnia), e será a partir da Índia que passarão a informar o povo de Pasadena sobre as manobras, tramas e artimanhas da política local.

O editor do pasadena.com, James Macpherson, recorreu ao "outsourcing" por razões financeiras (os 20 800 dólares anuais que pagará pela dupla indiana são razoáveis na Índia e parcos nos EUA), e atribui a possibilidade de o trabalho poder ser feito à distância ao facto de as reuniões da Câmara serem transmitidas pela Internet.

Sou do tempo em que os jornais tanto valorizavam a presença física dos seus repórteres nos lugares dos acontecimentos que mantinham correspondentes estrangeiros em países de alguma maneira importantes para o seu público, e não posso deixar de achar estranho ver a política local (local!) de uma cidade na América ser coberta por jornalistas que moram na Ásia.

Não acredito que os colegas indianos cumpram como deve ser a missão que se lhes atribui. É espantosa a quantidade de pormenores de que se faz o relato de qualquer acontecimento – a maior parte desses pormenores é capaz de nem sequer aparecer explicitamente no próprio relato, mas nem por isso terá deixado de interferir nele, de lhe impôr um caminho ou um tom. E não são transmissíveis em reuniões mostradas pela internet, em emails ou em telefonemas trocados entre pessoas que nem sequer se conhecem pessoalmente.

A missão que os colegas indianos podem, essa sim, vir a cumprir será a de revelar uma outra Pasadena aos leitores do pasadena.com – a Pasadena vista de longe, de muito longe – da Índia. Aí, sim, o jornalismo local poderia ter alguma coisa a ganhar com a deslocalização. Seria preciso, porém, que eles se atrevessem a ser mais do que meros repetidores de "press-releases". Sería preciso que fossem impressionistas – despudorada, ingénua e atrevidamente impressionistas. Aliás, num mundo em que eu, da minha casa, em Oeiras, posso, através da Internet, assistir, em tempo real, às reuniões da Câmara de Pasadena, na Califórnia, o jornalismo perderia a razão de ser se não assumisse, com clareza e ousadia, a função de transmitir, além do relato, a impressão. De duas, uma: ou a intermediação exercida pelo jornalista é crítica ou desnecessária. E adoraria ver a política e o governo de Oeiras pelos olhos de um indiano na Índia – desde, claro, que esse indiano se atrevesse, que desse palpites, que mostrasse o pasmo, a admiração e a reprovação que Oeiras, vista da Índia, lhe inspirasse. Pelo que acertasse e pelo que errasse (e, provavelmente, mais pelo que errasse do que pelo que acertasse), os relatos indianos da vida de Oeiras seriam, se não um substituto, um complemento riquíssimo à leitura dos jornais locais escritos por cidadãos locais.

PS: Em Oeiras, sagradas não são as vacas, mas os carros. Param onde querem (e querem mais nos passeios públicos do que nos espaços a eles destinados pela Câmara... ou será precisamente a Câmara que lhes destina os passeios na medida em que penaliza, pela cobrança por parquímetro, quem estaciona nos lugares destinados ao estacionamento?). Alguns ruminam pesados, metálicos, com as quatro patas em cima do passeio, e as pessoas pela rua, que remédio...

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