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Publicidade Enganosa

Há uma frase antiga em publicidade que diz que “metade do dinheiro gasto em publicidade é mal gasto, o problema é que ninguém sabe qual a metade que é mal gasta.” O anúncio da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), que foi para o ar este Verão, é a excepç

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Há uma frase antiga em publicidade que diz que "metade do dinheiro gasto em publicidade é mal gasto, o problema é que ninguém sabe qual a metade que é mal gasta." O anúncio da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), que foi para o ar este Verão, é a excepção a esta regra ao assegurar que todo o dinheiro está a ser mal gasto.Como é possível que tal anúncio se mantenha no ar?

Quais os objectivos da PRP com esta campanha? Qual foi o briefing que a PRP ou a Galp fizeram à sua agência de publicidade? Quem é o público-alvo desta mensagem? Quais as mudanças de atitude ou comportamentais que se espera do público-alvo? Como é que a PRP avalia se esta campanha está a ser bem sucedida?

Confesso que tenho uma enorme dificuldade em perceber a utilidade desta campanha. A perspectiva mais benévola possível diria que a PRP quer alertar os portugueses sobre o número elevado de crianças mortas nas estradas portuguesas. E espera conseguir um melhor cumprimento das regras do código da estrada por parte dos automobilistas fazendo-os lembrar das vítimas inocentes (um avião cheio de crianças por ano) do seu comportamento agressivo na estrada. Finalmente, inspirados no exemplo da Benetton, a agência de publicidade pode ter recomendado que imagens de choque poderiam ser muito eficazes a receber a atenção dos media ou do público em geral, aumentado a visibilidade do próprio anúncio (a mera existência deste artigo suporta essa tese).

Uma observação mais atenta sugere porém que as pessoas não vão perceber o anúncio de forma benévola. Primeiro, não se percebe do anúncio que a mensagem é sobre estradas, automóveis ou condução pouco cuidadosa. O que é feito do eficaz "se conduzir não beba"? Segundo, as pessoas que vêem o anúncio de forma casual ficam a pensar que cai mesmo um avião cheio de crianças em Portugal. Porquê disseminar uma mentira tão óbvia? Em terceiro lugar, o suporte institucional dado pela Galp e pelo Ministério da Administração Interna (MAI) no final do anúncio reforça a ideia do que tudo o que é dito no anúncio é verdade, e não apenas uma metáfora ou forma criativa de comunicação. Ainda veremos o MAI, ou outra agência do Estado, a desmentir em comunicado aquilo que está a pagar para comunicar na publicidade.

Assim, parece-me óbvio que este anúncio não atingirá nenhum dos objectivos socialmente úteis definidos pelos seus patrocinadores, e que terá alguns efeitos perversos.

Uma perspectiva mais realista, explica a existência deste anúncio com a mera ausência de controlo nas despesas públicas em Portugal. Não creio que uma entidade privada deitasse dinheiro à rua desta forma tão confiante. Repare-se que não é a primeira vez que se observa que a PRP tem dinheiro a mais. Este é um problema estrutural da própria PRP que urge resolver. Neste exemplo a PRP fez uma parceria com a Galp para pagar esta campanha. Mas será que a Galp aderiu livremente ao financiamento da campanha? Ou será que foi forçada pelo Governo a fazê-lo? Ou resulta de qualquer outra obrigação da Galp?

Qualquer que seja a resposta o resultado da parceria é negativo. Como em muitas parcerias, há uma diluição da responsabilidade entre as várias entidades. Neste caso, embora a Galp tenha competências inequívocas de marketing, não tem incentivos suficientes para se esforçar demasiado a fazer uma boa campanha, pelo que é fácil aceitar qualquer ideia que venha das agências de publicidade. Por outro lado, a PRP está a pagar esta campanha com o dinheiro da Galp, pelo que o seu poder para a alterar é limitado. No fundo a PRP está satisfeita por ter mais uma campanha no ar, mesmo que seja má, já que não lhe sai directamente do seu orçamento. Em parte é este equívoco que mantém a campanha no ar. Se a PRP, como devia, retirasse a campanha não é claro que continuasse a receber o dinheiro da Galp, ou que tivesse força para a obrigar a que fizesse um novo anúncio sobre um tema que é lateral ao seu negócio central. Por tudo isto é mais fácil para a PRP deixar andar.

Em suma, este episódio ilustra inúmeros equívocos das relações económicas em Portugal: a existência de parcerias inúteis ou desnecessárias; a diluição de responsabilidades que resultam dessas parcerias; a mistura entre recursos públicos e privados; a obsessão com a comunicação só para aparecer na televisão; ou a dificuldade em impor restrições financeiras ao Estado (esta despesa não está no orçamento de Estado, mas é de facto uma despesa do Estado). Mas acima de tudo este episódio ilustra que é demasiado fácil em Portugal fazer despesas que não criam valor quando o Estado participa no processo.

Para as universidades sobra um caso que pode ser usado pedagogicamente em disciplinas de marketing. Quer sobre o conteúdo da mensagem publicitária quer sobre a importância da velocidade de decisão no cancelamento de campanhas que correm mal.

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