Opinião
Próspero ano velho
Nos fins de ano, e consequentes inícios de novos anos, a inclinação para textos em tom de balanço ou de previsão do futuro próximo é natural. Sem fugir à regra, vamos dedicar o artigo desta semana ao ano velho da velha ...
Sem fugir à regra, vamos dedicar o artigo desta semana ao ano velho da velha (fundada em 1769, cerca de 20 anos antes da sua homóloga de Nova Iorque) Bolsa de Lisboa. Sobre o ano novo deste vetusto mercado, manda o rigor que impera nas Escolas de Gestão que se confesse ignorância. Aliás, qualquer analista digno desse nome que saiba o que se vai passar no próximo ano em qualquer mercado de capitais tem um só caminho sério: guardar a informação para si, e lucrar com isso.
Sobre o ano velho podemos falar com rigor. E temos de dizer com gosto que foi esplêndido. O PSI20, índice das maiores empresas cotadas em Lisboa, valorizou-se 29,9%. Este desempenho foi não só o melhor desde 1997 (ano distante no qual o PSI20 subiu 71.1%), como o quarto melhor (apenas atrás das bolsas espanhola, norueguesa e luxemburguesa) do grupo de mercados ocidentais desenvolvidos ao qual a Bolsa de Lisboa pertence na classificação consensual da Morgan Stanley, precisamente desde 2 de Dezembro de 1997. Estivemos assim perante o melhor ano do mercado português de acções, desde o seu regresso à primeira liga, batendo por margem confortável o anterior máximo de 24.9% em 1998 e aguentado galhardamente o confronto internacional.
O contraste com o desempenho da economia portuguesa é marcante. O PSI-20 registou, em 2006, o seu quarto ano consecutivo de crescimento, e sempre com crescimentos a dois dígitos. O PIB, no mesmo período, caiu 1,1% em 2003, para crescer 1,2% em 2004, magros 0,4% em 2005 e previstos (no Boletim Económico de Outono do Banco de Portugal, redigido com informação disponível até ao início de Novembro) 1,2% em 2006. Por memória, em 1997 o PIB cresceu 3,7%, número que faria hoje as delícias dos responsáveis pela política económica, mas modesto comparado com os 71% de crescimento da Bolsa. O ritmo da Bolsa tem sido, felizmente, outro, e acelerou em 2006. Bom presságio para o PIB em 2007? Para a Bolsa em 2007? Mera observação espúria, sem relação com a dita economia real?
A análise do ano de 2006 faz ressaltar dois tipos de factores distintos relativamente aos anos anteriores: a oferta pública de aquisição da Sonaecom sobre a Portugal Telecom e o regresso da República ao mercado como oferente, vendendo acções da Galp e da Portucel. Estes factores coincidem com a aceleração do crescimento do índice, e é muito argumentável que tal não seja uma coincidência.
A existência de um número relativamente grande de ofertas públicas de aquisição no mercado português (e muitíssimo superior ao de ofertas públicas iniciais) não é uma novidade de 2006. Aliás, é o factor que tem feito o número de empresas cotadas em Lisboa descer sustentadamente. Em 2006, registaram-se duas ofertas de elevado volume (Sonaecom sobre Portugal Telecom e Millennium sobre BPI), e portanto muito mediatizadas, que contribuíram para apreciações significativas quer dos oferentes (40% na Sonaecom, 19% no Millennium) quer dos visados (54% no BPI, 15% na PT). Apesar das semelhanças, o efeito a prazo no mercado das duas ofertas deverá ser distinto, devendo o da oferta sobre a Portugal Telecom revelar-se mais duradouro, independentemente do desfecho que venha a ter. De facto, a oferta da Sonaecom tem uma característica distinta, a de depender da revogação dos direitos especiais da República, algo que ocorreu pela primeira vez na viragem do século com a oferta falhada da Semapa e da Holderbank sobre dois terços do capital da Cimpor.
A manutenção de direitos especiais nas empresas privatizadas foi uma opção dos sucessivos governos nacionais na privatização das empresas industriais e de serviços, ao contrário do que sucedeu com a privatização de bancos e seguradoras, objectos de privatização não relutante, ou seja, sem manutenção de posições accionistas ou golden shares em mãos públicas (sobre a feliz noção de "privatização relutante", veja-se o trabalho do professor Bortolloti, da Universidade de Turim, na série de working papers do European Corporate Governance Institute). Sem surpresa, do ponto de vista do investidor as acções dos bancos e seguradoras portuguesas privatizadas revelaram-se, de um modo geral, mais remuneradoras do que as das empresas industriais e de serviços.
Em 2000, quando da oferta da Semapa e da Holderbank sobre a Cimpor, a reacção do Governo foi negativa, mas as perspectivas futuras dos direitos especiais da República já não eram, à época, brilhantes, como o não são a prazo as de quaisquer regras impeditivas da criação de valor. 2006 marcou o ano em que o modelo português de privatização das empresas não financeiras deu sinais de abandono da sua natureza relutante, o que libertou valor no ano que findou e, salvo melhor opinião, tem mais para dar em 2007 e seguintes.