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Opinião

Por uma esquerda modernizadora

A candidatura de Manuel Alegre prejudicou a esquerda no seu conjunto e muito em particular o PS que se viu envolvido numa teia funesta.

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A derrota foi tremenda, pelo humilhante número de votos abaixo dos 20%, mas também porque não serviu nenhum objetivo estratégico positivo. Tratou-se de um ato pueril, incongruente e portador de falaciosas esperanças.

Este desenlace era contudo mais do que previsível. Alegre é um homem do passado que já só entusiasma o conservadorismo que se vem instalando à esquerda. Alegre representa uma nova espécie de saudosismo pseudo-revolucionário, tacanho e reacionário como todo o saudosismo o é.

Mas, pelo menos num aspeto, o desaire serviu para alguma coisa. Mostrou como a aliança entre Bloco e PS não tem qualquer viabilidade prática nem aceitação popular. Mostrou como esta cooperação não acrescenta mas antes diminui. Facto que serve também de lição e aviso para aqueles que no PS acenam com a miragem de uma grande esquerda. Ela, simplesmente, não é possível. Nem desejável, acrescento.

Nas últimas décadas, sobretudo a partir do rescaldo do Maio de 68, temos vindo a assistir a uma deriva daquilo que se designa por esquerda, ou seja, o que sempre foi a componente liberal e progressista das sociedades. Agarrada a uma espécie de "espírito de missão" na defesa dos mais pobres e desfavorecidos, tantas vezes de perfil quase religioso, parte da esquerda foi-se tornando conservadora, na defesa intransigente do Estado, na resistência contra qualquer mudança, no ódio à inovação. Nesse processo foi-se esquecendo que a esquerda, a par da luta contra as injustiças, sempre teve um papel fundamental e pioneiro na modernização social, cultural e económica. A esquerda, precisamente porque de raiz liberal e progressista, sempre foi historicamente um motor de modernidade contra as forças conservadoras. O drama é que hoje parte dessas forças conservadoras estão também na própria esquerda.

A incompatibilidade entre o PS - ou pelo menos a sua parte representada no atual governo de Sócrates -, e o Bloco e o PC, tem pouco a ver com personalidades e tudo com visões totalmente opostas da evolução social. Bloco e PC assumem-se como movimentos de resistência contra qualquer mudança, enquanto o PS protagoniza a modernização social, cultural, científica, tecnológica e económica. É aliás o único partido que em Portugal o faz com convicção e determinação. E por isso, apesar de tanta campanha suja e tanto ódio destilado, se mantém com uma forte expressão eleitoral.

Assim, da aventura desastrada de Manuel Alegre devem tirar-se algumas lições importantes para o futuro próximo. As ilusões de alianças partidárias à esquerda devem ser frontalmente desfeitas. PC e Bloco são partidos conservadores que devem ser tão combatidos como as forças conservadoras da direita. O PS deve fazer o seu caminho e assumir-se, se possível ainda mais e sem quaisquer hesitações, como partido da modernização do país.

Há contudo uma aliança possível à esquerda que não deve ser minimizada. A evolução social tem ampliado o campo daqueles que não estando filiados em qualquer partido são ativos na sua cidadania e nos contributos diversos que dão para o avanço do país. São os chamados independentes, ainda que o nome seja ambíguo e por vezes inapropriado já que há muita maneira de se fazer política que não só a partidária. Sobretudo nos domínios do empreendedorismo, das novas tecnologias, da investigação científica, da criatividade e da inovação existe um mar de gente empenhada em fazer Portugal evoluir. São, na sua maioria, pessoas que não apreciam os rituais de submissão partidária, nem têm tempo para retóricas sem sentido nem propósito. Mas estão disponíveis para a cooperação em projetos concretos e mobilizadores. Por isso, mais do que debater geometrias ideológicas, o PS tem que mostrar um empenho declarado em continuar a via da modernização, única aliás que nos pode fazer ultrapassar as crises conjunturais.

O mundo, tal como está, não precisa de uma esquerda resignada na resistência. Precisa sim de uma esquerda, plural, liberal e progressista, que ajude decisivamente a construir um futuro melhor. Gente não falta se houver determinação.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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