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14 de Maio de 2007 às 13:59

Pobres e fraquinhos

Uma das maiores debilidades do nosso regime político decorre da fragilidade estrutural de assumir um pensamento próprio. Há muito tempo que importamos pensamentos alheios, sem os escrutinarmos bem e sem cuidarmos de saber se são os adequados ao país.

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E há bastante mais tempo que importamos fórmulas e a forma sem preocupação da manutenção da substância. E, portanto, sem alimentar o pensamento político.

Há trinta nos proclamou-se e bem que não haveria democracia sem partidos políticos. Volvidos uns anos largos e na sequência da constatação do desgaste dos partidos, começou a ouvir-se que a democracia não se esgota nos partidos. Mas como a sociedade civil portuguesa é estruturalmente incipiente (como convinha ao regime anterior e como é próprio da nossa natureza), não aconteceu nada de novo no extremo oeste da terra europeia.

Os partidos continuaram a empobrecer (de ideias) e a sociedade civil continuou num estado próximo da letargia vegetativa. Tome-se o seguinte exemplo sob a forma de perguntas: em trinta anos de democracia quantos são e quais são os políticos portugueses que reduziram a escrito as suas ideias? Quantos foram e quais foram os que escreveram e publicaram livros com o seu pensamento político? Quantas mãos são precisas para enumerar os políticos que andaram trinta anos para publicarem um único livro que é o livro das suas memórias? E quantas são precisas para elencar os que nem isso? Compare-se esta situação com a do eleito Presidente francês. Sarkozy escreveu, nos últimos dez anos, nada mais, nada menos, do que seis livros. Sobre história política, mas também sobre política actual, pura e dura, sobre religião, sobre os valores da República, sobre os valores sociais, sobre testemunhos pessoais vividos na carreira política. Pode gostar-se ou não. Pode concordar-se ou não. Mas pode, acima de tudo, ir lá ver o que pensa o político ou o que pensava na altura da publicação do livro. É claro que pode ser incómodo. E que pode radicar aqui a tendência para não verter em papel o que se diz e se desdiz. Mas o silêncio é a arma dos que não têm convicções, não se batem por elas e vogam ao sabor das conveniências do momento.

É o espelho de uma certa pobreza de espírito e de uma enorme pobreza de ideias.

Como um mal nunca vem só, os partidos, sobre serem pobres em pensamento político, estão cada vez mais enfraquecidos. A situação actual de Lisboa é absolutamente reveladora das fraquezas partidárias. Mesmo descontando as intenções que ficam no tinteiro, nunca se viu tanto independente junto a pretender a respectiva candidatura.

À direita como à esquerda. À direita, o CDS não poderá deixar de ter um candidato, ainda que entalado entre as franjas de uma putativa candidatura independente oriunda dessa área ou aparentada e as franjinhas de Monteiro.

O PSD pode ter problemas, com outra candidatura independente provinda da área do antigo executivo municipal. Mas pode surpreender, se souber. À esquerda, pelo menos no caso de Roseta – que acaba de se divorciar do segundo partido – resta saber como os votos que Alegre conquistou nas presidenciais são carreados para ela. Problemas para o PS, escolha quem escolher, que contaria com tudo menos com esta nova "sniper". Os problemas serão menores para o PC e o Bloco, mas "sniper" é "sniper" e nunca fiando. Uma coisa está já vista: depois de parada, Lisboa pode estar "balcanizada", com mais de meia dúzia de candidatos e o facto é que os partidos, de fraquinhos que estão, não foram capazes de travar esta deriva. Vai ser uma animação pegada, mas do que Lisboa precisa é de tudo menos desta animação. Fossem os partidos menos pobres e estivessem menos enfraquecidos que tudo não passava de uma miragem. Estando como estão, há pelo menos uns quantos que acham que o interesse público passa por eles. Directamente. Sem intermediação partidária. Não é isto um sinal?

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