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João Carlos Barradas - Jornalista 08 de Junho de 2007 às 13:45

Paz fria em clima sobreaquecido

Após o previsível fracasso da cimeira do G8 em Heiligendamm, será tempo de ponderar o futuro próximo quando George Bush voltar para o Texas e Vladimir Putin designar um sucessor.

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Após o previsível fracasso da cimeira do G8 em Heiligendamm, será tempo de ponderar o futuro próximo quando George Bush voltar para o Texas e Vladimir Putin designar um sucessor.

Nos Estados Unidos surgem sinais de que a futura administração democrática ou republicana poderá vir a considerar a imposição de legislação federal para redução obrigatória das emissões de gases com efeito de estufa.

A partir daí é de admitir que Washington possa vir a participar em negociações internacionais que, alargando o âmbito do protocolo de Quioto, definam quotas vinculativas para limitação das emissões de gases com efeito de estufa desde que a China e a Índia adoptem igualmente políticas de contenção.

O aumento dos investimentos empresariais privados nos sectores das energias renováveis, biocombustíveis e tecnologias de baixo nível poluente aponta, também, no sentido de estarem criadas condições para os Estados Unidos considerarem a possibilidade de integrar mecanismos semelhantes ao Esquema Europeu de Comércio de Gases com Efeito de Estufa.

A eventual entrada dos Estados Unidos no mercado dos créditos de carbono, presentemente muito marcado por irregularidades e fraudes que poderão abarcar quase 20 por cento das transacções, seria um factor essencial para dinamizar e disciplinar o comércio das quotas de emissão.

O desmantelamento de alcavalas tarifárias de forma a promover práticas de agricultura e silvicultura sustentáveis, componente essencial na contenção do aquecimento global, está, no entanto, demasiado dependente da revisão dos sistemas proteccionistas que têm bloqueado as negociações na Organização Mundial do Comércio para vir a tornar-se viável a curto prazo.

Demasiado perto do abismo

O objectivo definido por Angela Merkel de levar os parceiros do G8 a reduzir para metade até 2050 o nível atingido em 1990 pelas emissões de gases com efeito de estufa revela-se presentemente inviável e terá, assim, de aguardar pela chegada de novo presidente à Casa Branca em 2009.

A própria viabilidade da manutenção dos actuais padrões de consumo energético apresenta-se, no entanto, cada mais problemática.

As últimas estimativas científicas apontam para um crescimento anual nesta década de três por cento das emissões de dióxido de carbono, comparado com um aumento de 1,1 por cento nos anos 90. Três quartos desta aceleração nas emissões de dióxido de carbono devem-se a países em vias de desenvolvimento, sobretudo a China que muito em breve, provavelmente por volta de 2010, ultrapassará os Estados Unidos como principal emissor de gases com efeito de estufa.

Bruscas alterações climáticas atingirão brutalmente os países mais pobres do Terceiro Mundo e o aumento de ajuda do G8 ao desenvolvimento mesmo que venha a atingir em 2010 os prometidos 57 mil milhões de euros, bem como os perdões de dívida externa, sobretudo a estados africanos, serão, consequentemente, de pouca valia para fazer frente às catástrofes naturais e inevitáveis convulsões sociais.

O panorama global é sombrio e a hipótese de um confronto militar entre os Estados Unidos e o Irão ou de uma crise nuclear envolvendo um Paquistão cada vez mais instável contribuem para fazer valer perspectivas bastante pessimistas.

O Putin que se segue

O confronto entre a Rússia, os Estados Unidos e a União Europeia tenderá, por sua vez, a agravar-se, mas, apesar das memórias da Guerra Fria alimentarem uma retórica agressiva por parte de Moscovo, não é o factor mais relevante nos conflitos internacionais.

A saída de Putin do Kremlin em 2008 não alterará os dados essenciais da relação de forças. A Rússia prosseguirá uma política visando o reconhecimento de um estatuto de potência internacional. É um elemento essencial de legitimação do regime e de culto da auto-estima de uma nação traumatizada, em quebra demográfica, e dependente das exportações de hidrocarbonetos.

A elite de Moscovo não teme que o princípio de dissuasão nuclear possa vir a ser posto em causa a curto prazo. O programa norte-americano de defesa antimísseis prevê que em 2013 estejam operacionais 54 unidades de interceptores no Alasca, na Califórnia e na Polónia, além de 130 sistemas instalados em navios, enquadrados numa rede de detecção que integra ainda radares na Grã-Bretanha, Gronelândia e República Checa.

Este sistema de defesa anti-mísseis não terá eficácia frente à eventual ameaça de outras potências militares como a Rússia ou a China.

Outros projectos de interceptores em desenvolvimento nos Estados Unidos, designadamente sistemas de laser aerotransportados, representam, no entanto, um crescente desafio tecnológico à Rússia desde a retirada unilateral de Washington em 2001 do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos. A arma mais sofisticada do arsenal russo antimísseis é o S400 com um alcance máximo de intercepção de 400 quilómetros e não estão em curso programas de modernização nesta área por parte de Moscovo.

No Kremlin a maior preocupação passa, assim, pelo reconhecimento de que o alargamento da NATO provocou uma situação de desequilíbrio estratégico, reduzindo drasticamente a esfera de influência de Moscovo.

Em retaliação Vladimir Putin ameaça renunciar ao Tratado de Limitação de Forças Convencionais na Europa (um compromisso de 1990 entre a NATO e o Pacto de Varsóvia, revisto em 1999) que Moscovo continua, aliás, a não respeitar ao manter tropas na entidade separatista da Transdnistria, na Moldova.

O Presidente russo pondera, ainda, abandonar o Tratado sobre Mísseis Nucleares de Alcance Intermédio (500 a 5 500 quilómetros), de 1987, mas a sua retórica soa a oco.

As despesas com o depauperado sector militar mais do que quadruplicaram desde a chegada de Putin à presidência em 2000, mas a modernização dos arsenais russos no quadro do programa estratégico 2007-

-2015 - como a renovação do único porta-aviões da armada russa, a aquisição de 50 bombardeiros, a introdução de uma centena de mísseis intercontinentais terrestres em substituição de armamento obsoleto - não representa qualquer desafio estratégico aos Estados Unidos.

O acordo de 2002 entre Washington e Moscovo para limitar os arsenais nucleares estratégicos a um máximo de 2.200 ogivas até 2012 mantém-se em vigor e não há interesse das duas partes em alterar este compromisso.

A profissionalização dos 1.130.900 militares com que contavam em Janeiro as forças armadas russas é, por sua vez, uma difícil aposta a longo prazo e está condicionada pela contracção demográfica que obriga a uma redução de efectivos e complica a formação e manutenção de quadros militares em áreas fulcrais.

A única opção possível em Moscovo passa por um aumento do investimento na Defesa dos actuais 2,5 por cento do PIB para 3,5 por cento, partindo do princípio de que se mantêm as receitas das exportações de hidrocarbonetos, mas a eventual expansão e modernização dos arsenais e equipamentos confronta-se com uma irremediável falta de pessoal militar qualificado.

Depois de Heiligendamm

Um país com uma economia menor do que a Itália ou a Espanha, que verá a sua população diminuir para pouco mais de 100 milhões de habitantes até 2050, sem aliados próximos (entre os 14 estados vizinhos só as ditaduras da Belarus e do Cazaquistão manifestam simpatias pela política de Moscovo), não tem condições para arriscar qualquer corrida aos armamentos.

Cooperação limitada, confrontos em regiões de alto risco e ameaça de colapso de sistemas de controlo de armamentos e de combate à proliferação nuclear contam-se, contudo, como contingências inerentes àquilo que se poderá denominar como política russa de retorno ao estatuto de potência.

Em 1997, Bill Clinton trouxe a exangue Rússia de Boris Ieltsin para o então G7 para conceder um simulacro de dignidade a uma potência humilhada.

Agora que Moscovo recuperou forças o fórum G8 tornou-se numa entidade desprovida de coerência.

O fracasso de Heiligendamm estará aí para o provar: de um lado, Bush inquinando o clima; do outro, Putin brandindo ameaças.

Uma paz fria em clima sobreaquecido: eis o que a cimeira do G 8 tem para oferecer.

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