Opinião
Parlamento e corrupção
Fiquei atónito e envergonhado perante uma recente entrevista concedida pelo Eng. João Cravinho à SIC Notícias sobre o tema da corrupção. Ao abordar a sua proposta de alteração legislativa com o objectivo de melhorar os meios para enfrentar e derrotar o fl
Ao abordar a sua proposta de alteração legislativa com o objectivo de melhorar os meios para enfrentar e derrotar o flagelo da corrupção, Cravinho não foi de meias palavras e, com a coragem que se lhe reconhece, avisou que nos aproximamos "da hora limite para controlar a corrupção do Estado". Mais: garantiu que, se nada for feito, daqui por mais dois ou três anos esse controlo já será impossível. Daí que tenha apelado ao aparecimento de uma vaga de coragem que permita começar "a puxar os fios à meada", invocando o exemplo italiano como caso bem sucedido neste combate inadiável.
Depois de passar em revista, de forma sucinta, o seu longo estudo e as suas propostas sobre o tema da corrupção, Cravinho sustentou que o actual estado de coisas "não é só culpa do Parlamento", pois este não terá toda a informação necessária, mas sempre foi adiantando que também parece que o "Parlamento não quer" essa informação!
E, para que não restassem dúvidas sobre o alcance das suas palavras, acrescentou que "a razão do descrédito do Parlamento está na incapacidade revelada para assumir as suas responsabilidades", esclarecendo que a aversão a enfrentar o tema da corrupção, mesmo sabendo-se que ele põe em perigo a nossa Democracia, se ficará a dever ao receio de que "as pessoas pensem que a corrupção está com os deputados".
Em termos éticos, como se depreende, estamos ao melhor nível! Não espantará, portanto, que as propostas de João Cravinho tenham merecido algum desprezo da parte dos seus companheiros parlamentares. Algo a que ele já estará habituado, pois conforme recordou na sua entrevista à SIC Notícias, desde a sua passagem pelo XXIII Governo Constitucional, então como Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, tem visto sucessivas propostas de combate à corrupção lançadas nos cestos dos papéis. E lembrou aquela que nessa altura apresentou sobre os concursos de obras públicas, pretendendo que sempre que a derrapagem no preço atingisse os 15% seria obrigatória uma auditoria, e que quando o acréscimo chegasse aos 25% haveria lugar a um novo concurso. Mais uma proposta obviamente chumbada, apesar de todos saberem que é nas derrapagens que se alcançam as mais valias ilegítimas.
Ao ouvir Cravinho, pensei no que sentiria o Presidente da República sobre esta realidade, ele que, recorde-se, elegera o combate à corrupção para tema do seu discurso do 5 de Outubro. E a resposta surgiu logo a seguir, quando Cavaco Silva recebeu em audiência o deputado socialista para uma longa conversa. Uma conversa que, queremos crer, não terá sido um mero encontro de circunstância ou de despedida, uma vez que Cravinho, como se sabe, vai para fora do País, depois de ter aceite a indigitação para administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). Ou seja, João Cravinho, quiçá cansado de tanto remar contra a maré, vai-se embora para um cargo importante por um período de três anos. E, na nossa modesta opinião, quis com esta entrevista e com esta audiência tentar que o seu estudo legislativo contra a corrupção não vá "estagiar", uma vez mais, para os fundos de uma gaveta qualquer.
Para os que cá ficam e acreditam no imperativo de atalhar o passo à corrupção, é pois chegado o tempo de exigir acção, de reclamar rigor ético e moralidade a quem de direito, a começar pelos nossos deputados. Isto porque a corrupção é hoje o inimigo dos inimigos e, sem dúvida, um dos principais inibidores de progresso e desenvolvimento de Portugal.
Para os que cá ficam é tempo de a vergonha dar lugar à confiança. De não deixar que o combate à corrupção saia da agenda. De manter viva a chama daqueles que continuam a acreditar na vitória da conduta ética e do rigor dos valores sobre o sistema.