Opinião
Falar claro e agir
Num recente congresso internacional realizado em Cannes, que contou com a participação de muitos dos mais destacados representantes da indústria dos plásticos do Sul da Europa, tive o privilégio de escutar uma clara e lúcida intervenção ...
Num recente congresso internacional realizado em Cannes, que contou com a participação de muitos dos mais destacados representantes da indústria dos plásticos do Sul da Europa, tive o privilégio de escutar uma clara e lúcida intervenção do Prof. Karel van Miert, ex-vice-presidente da Comissão Europeia, sobre "Como assegurar a competitividade europeia num mundo globalizado".
Com uma carreira política de mais de 30 anos e uma imagem de superior competência, Karel van Miert passou em revista os principais aspectos positivos da construção europeia, mas não escondeu também os perigos e os desafios que se colocam a uma Europa que teima em revelar-se por vezes um mero grupo de nações onde cada qual procura puxar a brasa à sua sardinha.
Da abordagem ao vasto conjunto de questões que estão na ordem do dia na União, retenho os sinais de algum optimismo quanto ao previsível crescimento económico europeu, mesmo que este se situe a milhas do esperado noutras latitudes, como a China, a Índia ou o Brasil, e anoto, com preocupação, o facto de o crescimento europeu se projectar de forma muito diversa nos diferentes países, com vantagem nítida para os novos parceiros de Leste, tidos como os competidores mais directos de Portugal e que apresentam níveis de Educação (ensino) e Cultura muito superiores aos nossos. Isto para já não referir as políticas fiscais e laborais mais flexíveis e atractivas para o tão disputado investimento estrangeiro.
Ouvi também falar de problemas sérios, de vulnerabilidades ou riscos advindos do insucesso da Agenda de Lisboa, da falta de reformas estruturais e do trabalho, das perspectivas financeiras 2007-2013 que não estarão em linha com os desafios, ou dos desgostos e desafios com a falta de uma Constituição Europeia, da falta de lideranças, das grandes diferenças ente os vários Estados-membros, do défice na pesquisa e desenvolvimento da inovação, tão necessária na resposta ao crescente das exportações Chinesas para a Europa, da nossa elevada dependência energética, etc.
Ao escutar a entusiástica dissertação de Karel van Miert sobre a necessidade de desbloquear o potencial europeu; sobre o imperativo de aprofundar as reformas internas que permitam revigorar o processo de criação de um mercado único de 500 milhões de almas; sobre a inevitabilidade de alocar mais recursos para a pesquisa, desenvolvimento e inovação, dei comigo a pensar como é diferente a visão que temos, dentro das nossas fronteiras, relativamente ao processo de construção europeia. Como é castrante a sensação de desconfiar que em Bruxelas a burocracia retarda o processo decisório, quase sempre com efeitos incómodos, pesados e embaraçosos. Como é desmobilizador o discurso imperceptível dos nossos governantes sobre os temas comunitários, dificultando-nos a busca dos caminhos a seguir.
Da discrepância entre a confusão que nos é transmitida pelos políticos nacionais e a clareza que detectáramos no discurso de van Miert dei conta ao próprio palestrante, no final do Congresso, que me retorquiu cordialmente: "O problema está nos votos, ou melhor, na necessidade que os políticos têm de caçar votos."
Queria o Prof. dizer na sua que a caça ao voto é inimiga da clareza, torna o discurso político sinuoso ou redondo, quase sempre ditado pelas conveniências do momento.
Lembrei-me então da forma como nos estão a "vender" a redução do deficit e interroguei-me se ela não deveria ser conseguida, preferencialmente, através de reformas introduzidas do lado da despesa, capazes de modernizarem e humanizarem a nossa sociedade, em vez de resultar da actuação desbragada da máquina fiscal, transformada numa implacável máquina de puro e simples confisco, onde grassam a incompetência e a prepotência mais absurdas.
A verdade é que a perspectiva ética está completamente postergada dos manuais comportamentais da nossa Administração Fiscal e os governantes não parecem minimamente avisados ou interessados em perceber as consequências de tal estratégia.
O certo é que a consolidação empresarial europeia está para continuar, como para continuar está o crescimento a Leste ou a invasão exportadora da Ásia. Pergunta-se: como poderá Portugal responder a estes confrontos?
Como diz Karel van Miert, só a falar claro e a agir com determinação e rigor se podem enfrentar os desafios da construção europeia e transformar o alargamento num sucesso económico, fazendo da solidariedade financeira um investimento.
Transpondo esta visão para a realidade nacional, impõe-se pois criar uma estrutura estatal moderna, desburocratizada e ligeira, capaz de apoiar a iniciativa competente dos nossos empresários e o necessário investimento virado para a Inovação (as PME´s são reconhecidamente um dos factores mais importantes na inovação).
Só apoiando, de forma sustentada, a iniciativa das muitas pequenas e médias empresas portuguesas saudáveis (menos Estado, menos carga fiscal, mais celeridade processual, legislação laboral moderna, etc.), só falando de forma que todos entendamos – pois agora não nos estamos a entender de todo –, será possível reconquistar a confiança de quem quer criar e redistribuir riqueza.
É tempo de a governação ver e falar claro, dando sinais de que prefere uma actuação guiada por valores humanos e éticos.